Por Que é Mais Difícil Ser Neonazista na Alemanha do Que Nos EUA?

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No final de semana, enquanto centenas de supremacistas brancos agitavam símbolos nazistas e gritavam palavras de ordem contra judeus e outras minorias em Charlottesville (Virgínia, EUA), um cidadão americano era agredido e preso por fazer a polêmica saudação de “Heil Hitler” em Dresden, na Alemanha.

Os fatos mostram como os dois países divergem no grau de tolerância ao uso de símbolos nazistas. Na Alemanha, a lei prevê punição de até três anos de prisão para quem usar insígnias relacionadas ao Terceiro Reich ou fizer apologia do nazismo. Nos Estados Unidos, o uso de símbolos do nazismo, o “discurso de ódio” e a existência de grupos de perfil neonazista são práticas legais, amparadas no direito à livre expressão garantido pela Constituição.

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Já no Brasil, a lei 7.716/89 determina prisão de dois a cinco anos para quem “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

Dados do Southern Poverty Law Center (SPLC), uma ONG americana de defesa dos direitos civis, indicam que existem nos EUA mais de 900 “grupos de ódio” que reivindicam ideias inspiradas no nazismo. Apenas na Califórnia, há mais 70, e na Flórida, mais de 60.

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Para grande parte deles, o livro Minha Luta, no qual Hitler expressa suas ideias que culminaram com a criação do partido nazista, é visto como uma espécie de bíblia ideológica. Eles assimilaram ideias supremacistas de Hitler, assim como os símbolos associados ao nazismo e outras correntes fascistas.

O que talvez cause espanto em outras partes do mundo é que esses grupos não são clandestinos; operam livremente e manifestam suas opinões e visões publicamente, como qualquer outra agremiação política. Como se viu em Charlottesville, eles têm o direito de marchar e gritar slogans racistas ou palavras de ordem pedindo a expulsão de negros, imigrantes, homossexuais e judeus.

De história e de leis
Especialistas consultados pela BBC Mundo explicam que as diferenças entre Alemanha e EUA no trato dado a grupos neonazistas vem da história de cada um, das leis e de sua interpretação.

Peter Kern, professor de direito penal da Universidade de Colônia, na Alemanha, explica que em seu país, a utilização de insígnias nazistas está estritamente proibida pelo Strafgesetzbuch, o código penal, desde o final da Segunda Guerra Mundial.

 

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“O artigo 86º proíbe o uso de símbolos de organizações inconstitucionais, sejam bandeiras, emblemas, uniformes, insígnias ou modos de saudação, fora dos contextos da arte, ciência, pesquisa ou do ensino”. “Ou seja, um museu pode mostrar uma bandeira com uma suástica, mas uma pessoa não pode usá-la dentro do território alemão”, pontua.

Segundo Kern, as profundas marcas deixadas pelo nazismo – que levou o país ao maior conflito militar da história – na consciência coletiva e o temor – e perigo – de que ele retorne levaram a essa legislação, que também coloca na ilegalidade qualquer grupo que siga a ideologia de Hitler e seus seguidores.

No entanto, o pesquisador esclarece que esses grupos escapam da alçada da Justiça evitando termos específicos e se apresentando como grupos “de extrema-direita”.

Atualmente, as caras mais visíveis dessas correntes são o Partido Nacional Democrático, que no início deste ano esteve a ponto de ser proibido, e uma dissidência dele chamada Alternativa para a Alemanha.
Nos Estados Unidos, por sua vez, o uso de símbolos ou a propagação do ideário nazista estão amparados no direito à livre expressão, consagrado pela Primeira Emenda (1791) da Constituição.

Darren L. Hutchinson, professor de Direito Constitucional da Universidade da Flórida (EUA), explica que isto se aplica não apenas ao discurso oral ou escrito, mas também protege o “discurso simbólico”, como exibir uma bandeira, fazer saudações nazistas ou portar qualquer elemento gráfico. “A Primeira Emenda estabelece que o governo dos Estados Unidos não pode discriminar com base num ponto de vista determinado na hora de impor restrições à liberdade de expressão”, explica. “Se um Estado, por exemplo, decide restringir em seu território o uso de símbolos nazistas devido a sua mensagem, isto poderia constituir uma restrição à liberdade de expressão e provavelmente estaria violando a Constituição”, acrescenta.

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Um exemplo é um caso ocorrido em 1978, quando a Suprema Corte de Illinois decretou ser “constitucional” que um grupo neonazista usasse bandeiras com a suástica para protestar em Skokie, um bairro de Chicago habitado em sua maioria por sobreviventes do Holocausto. Embora a marcha nunca tenha ocorrido, a sentença criou um precedente para o uso aberto de símbolos nazistas nos Estados Unidos e para uma maior abertura na associação a grupos radicais de extrema-direita, considera Hutchinson.

Por isso, o uso de iconografia ou a aberta militância em organizações neonazistas nos Estados Unidos pode ser mais visível que em outras nações. “Ao estar amparado pela lei, é mais comum encontrar grupos e símbolos neonazistas nos Estados Unidos que qualquer outro lugar”, diz à BBC Mundo Brenda Castañeda, uma promotora de Charlottesville que trabalha como diretora do Legal Aid Justice Center, uma ONG de defesa de direitos civis na Virgínia. “O grande perigo é que por trás destes símbolos de ódio, pode-se ocultar também a violência, como nos acontecimentos do fim de semana.”

No entanto, ela destaca que a Primeira Emenda também estabelece as bases e os limites para castigar os atos de violência que possam ser provocados por estes “discursos de ódio”.

Os limites do ‘ódio’
Mas se na Alemanha o código penal estipula como delito o uso de material inspirado na ideologia nazista ou a associação em grupos que se declarem abertamente sucessores do Führer, nos Estados Unidos, os parâmetros que estabelecem quando um “discurso de ódio” transgride a lei são nebulosos. “O direito constitucional americano desaconselha as ‘restrições prévias’, que são aquelas que proíbem ações com base no que poderia ocorrer. Isto explica por que é inconstitucional vetar a publicação de certo livros, como Minha Luta, ou proibir uma manifestação, como a ocorrida no fim de semana, com base nos efeitos que poderiam ter”, explica Darren Hutchinson.

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O acadêmico esclarece que há limitadas exceções para estes casos e elas estão associadas a discursos que incitem a violência ou que possam ser catalogados como difamação, calúnia, obscenidade ou incitação à anarquia. Sua margem de aplicação, explica, é complicada, porque às vezes não é fácil justificar legalmente que um discurso se insere em algum destes parâmetros, já que estes podem ser subjetivos. “É difícil prever, por exemplo, se um orador intencionalmente incitará a violência durante um discurso. Do mesmo modo, é muito difícil justificar a proibição de um discurso político ou de matérias vinculadas ao interesse público, como são os temas raça e política. Então, para poder restringir o direito à livre expressão, as autoridades precisam ter uma razão convincente e isto entra em um limbo legal de uma interpretação muito ampla”, indicou.

Entretanto, de acordo com a promotora Casteñeda, o reconhecimento do direito à livre expressão, que permite passeatas como as de Charlottesville, é também uma forma de limitar a margem de interferência do governo nas liberdades civis. “Quando os pais da nação estabeleceram a Primeira Emenda, fizeram isto porque consideraram uma verdade prática: as autoridades nem sempre exercem o poder da censura de maneira responsável. Em dado momento, quando o discurso subverte a autoridade estatal, ele poderia ser considerado ilegítimo. É por isso que defendemos a livre expressão como uma liberdade civil”, sustenta.

A Associação Americana dos Direitos Civis (ACLU, na sigla em inglês), sempre esteve entre as organizações que defenderam o direito de grupos neonazistas ou de extrema direita – como o Ku Klux Klan ou a Vanguarda América – se manifestarem. “Fazemos isto porque acreditamos no princípio de que, uma vez que os direitos da pessoa sejam violados, todos os demais estão sob risco. A liberdade de expressão não pertence apenas àqueles com quem estamos de acordo, e a Primeira Emenda não protege apenas os discursos politicamente corretos”, afirma Chris Hampton, especialista da ACLU.

“De fato, é nestes casos difíceis que nosso compromisso com a Primeira Emenda é mais importante. Como disse um juiz federal, tolerar os discursos de ódio é a melhor proteção que temos neste país contra qualquer regime de tipo nazista”, afirma.

Mas para Casteñeda, a principal razão para preocupação neste momento não são as leis e sua aplicação, mas para as razões que permitiram eventos como o de Charlottesville. “Acredito que estes atos foram alimentados pelo fanatismo e pela retórica racista que floresceram nos últimos meses: a proibição de entrada de muçulmanos à nossa nação, a iniciativa de um muro fronteiriço, os políticos chamando imigrantes de estupradores… Acredito que este tipo de retórica que demoniza grandes grupos de pessoas é a que que traz estas consequências”. “No final de semana foi Charlottesville. Amanhã poderia ser qualquer outra cidade dos Estados Unidos”, adverte.

Países onde é proibido usar símbolos nazistas
Alemanha
Áustria
Brasil
República Checa
Eslováquia
Suécia
Suiça

Fonte: BBC

 

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