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  • Berço Negreiro

    Berço Negreiro

    Berco-Negreiro Berço Negreiro

    Oh, maldito navio que velejou revoltoso,
    Carregando homens negros em tormento,
    Singrando águas cruéis no oceano poderoso,
    Ecoando dores e angústias no horizonte cinzento.

    Do continente africano, lindo berço ancestral,
    Arrancadas foram vidas, levadas à escravidão,
    Condenados a um destino tão desleal.
    Oh, navio infame, símbolo da opressão.

    Marcados corpos negros pelo cruel açoite,
    Estirados no convés, com a alma em farrapos,
    Gritos calados em meio às brumas da noite,
    Enquanto o mar bravio ruge entre os trapos.

    Abafa-se o choro e o lamento pelo vento.
    Nas trevas noturnas, a esperança se esvai.
    O sonho de liberdade foi devastado pelo sofrimento.
    Oh, navio triste, que a humanidade aceita sem um ai.

    Meninas-mulheres, homens-crianças,
    Marcados pela dor de um destino tão cruel,
    Almas banidas, sem esperanças,
    Sina triste de um passado com gosto de fel.

    Nas águas velejadas, a história envergonhada,
    Clamores dos cativos se perderam no horizonte.
    Do peito brada a revolta da esperança renegada;
    A chibata infame calou qualquer sonho em desponte.

    Em cada suspiro há desespero, uma lágrima se esvai;
    No balanço das ondas, a tristeza se espalha ao vento.
    Navio maldito, como um animal devora e trai.
    Oh! Castro Alves retrataste a vilania com talento.

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    Terras dos Homens Perdidos – Gil DePaula (2017)

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    Terras dos Homens Perdidos, de Gil DePaula, é uma ficção histórica que explora a fundação de Brasília e o impacto da construção da nova capital na vida de brasileiros comuns. A narrativa é ambientada entre 1939 e 1960 e segue o drama de Maria Odete, uma mulher forte e resiliente, que relembra seu passado de desafios e desilusões enquanto enfrenta as dores do parto. Sua trajetória é entrelaçada com a história de dois fazendeiros rivais e orgulhosos, ambos chamados Antônio, que lutam pelo poder em meio a uma teia de vingança, traição e tragédias pessoais.

    A obra destaca o cenário do interior brasileiro e a saga dos trabalhadores que ergueram Brasília com suor e sacrifício. Gil DePaula usa seu estilo detalhista para pintar um retrato das complexas interações humanas e sociais da época, onde paixões e rivalidades moldam o destino de seus personagens e refletem as transformações de uma nação. A obra combina realismo com uma narrativa de intensa carga emocional, capturando tanto a grandeza da construção da capital quanto as pequenas tragédias pessoais que marcaram sua fundação​.

    Para saber mais sobre o livro ou adquirir uma cópia, você pode encontrá-lo em sites como o Clube de Autores ou por meio do e-mail:

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  • Castro Alves: O Inigualável Poeta Brasileiro

    Castro Alves: O Inigualável Poeta Brasileiro

    castro-alves Castro Alves: O Inigualável Poeta Brasileiro

    O poeta baiano Antonio Frederico de Castro Alves (1847-1871), apesar de sua morte precoce, é considerado um dos mais importantes poetas brasileiros de todos os tempos. De formação cultural sofisticada, construiu sua poesia sobre temáticas eminentemente brasileiras, alcançando uma admirável compreensão da alma popular.

    Com seu lirismo exacerbado compôs poemas antológicos do romantismo brasileiro, mas não afastou-se jamais de sua veia libertária de onde emergiu o poeta social, o republicano, o abolicionista, o cantor dos escravos.

    Alguns poemas, como “O navio negreiro” e “Vozes d’África”, obtiveram enorme sucesso popular quando declamados pelo poeta e se transformaram em verdadeiras bandeiras na luta contra a escravidão.

    O livro “Os escravos” foi publicado de forma independente pela primeira vez em 1883, doze anos após a morte do autor e reúne as composições antiescravagistas de Castro Alves, entre elas, os famosos poemas abolicionistas “O Navio Negreiro” e “Vozes d’África”.

    Nos poemas de Os Escravos de Castro Alves, a poesia é suplantada pelo discurso político grandiloquente e até verborrágico. Para atingir o alvo e persuadir o leitor e, muito mais, o ouvinte, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma sucessão vertiginosa de metáforas que procuram traduzir a mesma ideia. A poesia é feita para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado, para reforçar a ideia do poema.

    Ao longo de Os Escravos de Castro Alves e A Cachoeira de Paulo Afonso, Castro Alves vai apresentando ao leitor a vida do cativo, negro ou mestiço, sujeito à crueldade dos senhores, que arrancam os filhos dos braços das mães para os vender, estupram as mulheres, torturam e matam impunemente os “Homens simples, fortes, bravos…/ Hoje míseros escravos/ Sem ar, sem luz, sem razão…”

    Afrânio Peixoto registra que esta obra deu a Castro Alves, então o maior poeta lírico e épico do Brasil pelos livros Espumas Flutuantes e Hinos do Equador, o “renome de nosso único poeta social”, e também como “poeta dos escravos” e “poeta republicano”, no dizer de Joaquim Nabuco, e ainda o “poeta nacional, se não mais, nacionalista, poeta social, humano e humanitário”, no dizer de José Veríssimo.

    Peixoto ressalta que a obra propaga a causa abolicionista. Registra que seus primeiros versos pela libertação dos cativos datam de 1863, quando contava somente dezesseis anos de idade; a maioria deles, contudo, é de dois anos mais tarde, 1865, quando são publicados, declamados e divulgados em todo o país, antecedendo autores como Tavares Bastos e dando o prenúncio da geração que traria a luta pela causa antiescravidão como um dos ideais a ser perseguido e somente alcançado duas décadas depois.

    Fonte: Brazil Imperial

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    Castro Alves

    Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
    Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
    Embuçado nos céus?
    Há dois mil anos te mandei meu grito,
    Que embalde desde então corre o infinito…
    Onde estás, Senhor Deus?…

    Qual Prometeu tu me amarraste um dia
    Do deserto na rubra penedia
    — Infinito: galé! …
    Por abutre — me deste o sol candente,
    E a terra de Suez — foi a corrente
    Que me ligaste ao pé…

    O cavalo estafado do Beduíno
    Sob a vergasta tomba ressupino
    E morre no areal.
    Minha garupa sangra, a dor poreja,
    Quando o chicote do simoun dardeja
    O teu braço eternal.

    Minhas irmãs são belas, são ditosas…
    Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
    Dos haréns do Sultão.
    Ou no dorso dos brancos elefantes
    Embala-se coberta de brilhantes
    Nas plagas do Hindustão.

    Por tenda tem os cimos do Himalaia…
    Ganges amoroso beija a praia
    Coberta de corais …
    A brisa de Misora o céu inflama;
    E ela dorme nos templos do Deus Brama,
    — Pagodes colossais…

    A Europa é sempre Europa, a gloriosa! …
    A mulher deslumbrante e caprichosa,
    Rainha e cortesã.
    Artista — corta o mármor de Carrara;
    Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
    No glorioso afã! …

    Sempre a láurea lhe cabe no litígio…
    Ora uma c’roa, ora o barrete frígio
    Enflora-lhe a cerviz.
    Universo após ela — doudo amante
    Segue cativo o passo delirante
    Da grande meretriz.

    Mas eu, Senhor!… Eu triste abandonada
    Em meio das areias esgarrada,
    Perdida marcho em vão!
    Se choro… bebe o pranto a areia ardente;
    talvez… p’ra que meu pranto, ó Deus clemente!
    Não descubras no chão…

    E nem tenho uma sombra de floresta…
    Para cobrir-me nem um templo resta
    No solo abrasador…
    Quando subo às Pirâmides do Egito
    Embalde aos quatro céus chorando grito:
    “Abriga-me, Senhor!…”

    Como o profeta em cinza a fronte envolve,
    Velo a cabeça no areal que volve
    O siroco feroz…
    Quando eu passo no Saara amortalhada…
    Ai! dizem: “Lá vai África embuçada
    No seu branco albornoz. . . “

    Nem vêem que o deserto é meu sudário,
    Que o silêncio campeia solitário
    Por sobre o peito meu.
    Lá no solo onde o cardo apenas medra
    Boceja a Esfinge colossal de pedra
    Fitando o morno céu.

    De Tebas nas colunas derrocadas
    As cegonhas espiam debruçadas
    O horizonte sem fim …
    Onde branqueia a caravana errante,
    E o camelo monótono, arquejante
    Que desce de Efraim

    Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
    É, pois, teu peito eterno, inexaurível
    De vingança e rancor?…
    E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
    Eu cometi jamais que assim me oprime
    Teu gládio vingador?!

    Foi depois do dilúvio… um viadante,
    Negro, sombrio, pálido, arquejante,
    Descia do Arará…
    E eu disse ao peregrino fulminado:
    “Cam! … serás meu esposo bem-amado…
    — Serei tua Eloá. . . “

    Desde este dia o vento da desgraça
    Por meus cabelos ululando passa
    O anátema cruel.
    As tribos erram do areal nas vagas,
    E o nômade faminto corta as plagas
    No rápido corcel.

    Vi a ciência desertar do Egito…
    Vi meu povo seguir — Judeu maldito —
    Trilho de perdição.
    Depois vi minha prole desgraçada
    Pelas garras d’Europa — arrebatada —
    Amestrado falcão! …

    Cristo! embalde morreste sobre um monte
    Teu sangue não lavou de minha fronte
    A mancha original.
    Ainda hoje são, por fado adverso,
    Meus filhos — alimária do universo,
    Eu — pasto universal…

    Hoje em meu sangue a América se nutre
    Condor que transformara-se em abutre,
    Ave da escravidão,
    Ela juntou-se às mais… irmã traidora
    Qual de José os vis irmãos outrora
    Venderam seu irmão.

    Basta, Senhor! De teu potente braço
    Role através dos astros e do espaço
    Perdão p’ra os crimes meus!
    Há dois mil anos eu soluço um grito…
    escuta o brado meu lá no infinito,
    Meu Deus! Senhor, meu Deus!!…

     

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    Foto-Resumo-THP Castro Alves: O Inigualável Poeta Brasileiro

    BHI-texto-1 Castro Alves: O Inigualável Poeta Brasileiro

     

     

  • “Navio Negreiro” – O Poema Imperdível de Castro Alves

    “Navio Negreiro” – O Poema Imperdível de Castro Alves

    navio-negreiro "Navio Negreiro" - O Poema Imperdível de Castro Alves

    I
    ‘Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
    Brinca o luar — dourada borboleta;
    E as vagas após ele correm… cansam
    Como turba de infantes inquieta.

    ‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
    Os astros saltam como espumas de ouro…
    O mar em troca acende as ardentias,
    — Constelações do líquido tesouro…

    ‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
    Ali se estreitam num abraço insano,
    Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
    Qual dos dous é o céu? qual o oceano?…

    ‘Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
    Ao quente arfar das virações marinhas,
    Veleiro brigue corre à flor dos mares,
    Como roçam na vaga as andorinhas…

    Donde vem? onde vai?  Das naus errantes
    Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
    Neste saara os corcéis o pó levantam,
    Galopam, voam, mas não deixam traço.

    Bem feliz quem ali pode nest’hora
    Sentir deste painel a majestade!
    Embaixo — o mar em cima — o firmamento…
    E no mar e no céu — a imensidade!

    Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
    Que música suave ao longe soa!
    Meu Deus! como é sublime um canto ardente
    Pelas vagas sem fim boiando à toa!

    Homens do mar! ó rudes marinheiros,
    Tostados pelo sol dos quatro mundos!
    Crianças que a procela acalentara
    No berço destes pélagos profundos!

    Esperai! esperai! deixai que eu beba
    Esta selvagem, livre poesia
    Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
    E o vento, que nas cordas assobia…

    Por que foges assim, barco ligeiro?
    Por que foges do pávido poeta?
    Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
    Que semelha no mar — doudo cometa!

    Albatroz!  Albatroz! águia do oceano,
    Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
    Sacode as penas, Leviathan do espaço,
    Albatroz!  Albatroz! dá-me estas asas.

    II
    Que importa do nauta o berço,
    Donde é filho, qual seu lar?
    Ama a cadência do verso
    Que lhe ensina o velho mar!
    Cantai! que a morte é divina!
    Resvala o brigue à bolina
    Como golfinho veloz.
    Presa ao mastro da mezena
    Saudosa bandeira acena
    As vagas que deixa após.

    Do Espanhol as cantilenas
    Requebradas de langor,
    Lembram as moças morenas,
    As andaluzas em flor!
    Da Itália o filho indolente
    Canta Veneza dormente,
    — Terra de amor e traição,
    Ou do golfo no regaço
    Relembra os versos de Tasso,
    Junto às lavas do vulcão!

    O Inglês — marinheiro frio,
    Que ao nascer no mar se achou,
    (Porque a Inglaterra é um navio,
    Que Deus na Mancha ancorou),
    Rijo entoa pátrias glórias,
    Lembrando, orgulhoso, histórias
    De Nelson e de Aboukir.. .
    O Francês — predestinado —
    Canta os louros do passado
    E os loureiros do porvir!

    Os marinheiros Helenos,
    Que a vaga jônia criou,
    Belos piratas morenos
    Do mar que Ulisses cortou,
    Homens que Fídias talhara,
    Vão cantando em noite clara
    Versos que Homero gemeu …
    Nautas de todas as plagas,
    Vós sabeis achar nas vagas
    As melodias do céu! …

    III
    Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
    Desce mais … inda mais… não pode olhar humano
    Como o teu mergulhar no brigue voador!
    Mas que vejo eu aí… Que quadro d’amarguras!
    É canto funeral! … Que tétricas figuras! …
    Que cena infame e vil… Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

    IV
    Era um sonho dantesco… o tombadilho
    Que das luzernas avermelha o brilho.
    Em sangue a se banhar.
    Tinir de ferros… estalar de açoite…
    Legiões de homens negros como a noite,
    Horrendos a dançar…

    Negras mulheres, suspendendo às tetas
    Magras crianças, cujas bocas pretas
    Rega o sangue das mães:
    Outras moças, mas nuas e espantadas,
    No turbilhão de espectros arrastadas,
    Em ânsia e mágoa vãs!

    E ri-se a orquestra irônica, estridente…
    E da ronda fantástica a serpente
    Faz doudas espirais …
    Se o velho arqueja, se no chão resvala,
    Ouvem-se gritos… o chicote estala.
    E voam mais e mais…

    Presa nos elos de uma só cadeia,
    A multidão faminta cambaleia,
    E chora e dança ali!
    Um de raiva delira, outro enlouquece,
    Outro, que martírios embrutece,
    Cantando, geme e ri!

    No entanto o capitão manda a manobra,
    E após fitando o céu que se desdobra,
    Tão puro sobre o mar,
    Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
    “Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
    Fazei-os mais dançar!…”

    E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
    E da ronda fantástica a serpente
    Faz doudas espirais…
    Qual um sonho dantesco as sombras voam!
    Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
    E ri-se Satanás!…

    V
    Senhor Deus dos desgraçados!
    Dizei-me vós, Senhor Deus!
    Se é loucura… se é verdade
    Tanto horror perante os céus?!
    Ó mar, por que não apagas
    Co’a esponja de tuas vagas
    De teu manto este borrão?…
    Astros! noites! tempestades!
    Rolai das imensidades!
    Varrei os mares, tufão!

    Quem são estes desgraçados
    Que não encontram em vós
    Mais que o rir calmo da turba
    Que excita a fúria do algoz?
    Quem são?   Se a estrela se cala,
    Se a vaga à pressa resvala
    Como um cúmplice fugaz,
    Perante a noite confusa…
    Dize-o tu, severa Musa,
    Musa libérrima, audaz!…

    São os filhos do deserto,
    Onde a terra esposa a luz.
    Onde vive em campo aberto
    A tribo dos homens nus…
    São os guerreiros ousados
    Que com os tigres mosqueados
    Combatem na solidão.
    Ontem simples, fortes, bravos.
    Hoje míseros escravos,
    Sem luz, sem ar, sem razão. . .

    São mulheres desgraçadas,
    Como Agar o foi também.
    Que sedentas, alquebradas,
    De longe… bem longe vêm…
    Trazendo com tíbios passos,
    Filhos e algemas nos braços,
    N’alma — lágrimas e fel…
    Como Agar sofrendo tanto,
    Que nem o leite de pranto
    Têm que dar para Ismael.

    Lá nas areias infindas,
    Das palmeiras no país,
    Nasceram crianças lindas,
    Viveram moças gentis…
    Passa um dia a caravana,
    Quando a virgem na cabana
    Cisma da noite nos véus …
    … Adeus, ó choça do monte,
    … Adeus, palmeiras da fonte!…
    … Adeus, amores… adeus!…

    Depois, o areal extenso…
    Depois, o oceano de pó.
    Depois no horizonte imenso
    Desertos… desertos só…
    E a fome, o cansaço, a sede…
    Ai! quanto infeliz que cede,
    E cai p’ra não mais s’erguer!…
    Vaga um lugar na cadeia,
    Mas o chacal sobre a areia
    Acha um corpo que roer.

    Ontem a Serra Leoa,
    A guerra, a caça ao leão,
    O sono dormido à toa
    Sob as tendas d’amplidão!
    Hoje… o porão negro, fundo,
    Infecto, apertado, imundo,
    Tendo a peste por jaguar…
    E o sono sempre cortado
    Pelo arranco de um finado,
    E o baque de um corpo ao mar…

    Ontem plena liberdade,
    A vontade por poder…
    Hoje… cúm’lo de maldade,
    Nem são livres p’ra morrer. .
    Prende-os a mesma corrente
    — Férrea, lúgubre serpente —
    Nas roscas da escravidão.
    E assim zombando da morte,
    Dança a lúgubre coorte
    Ao som do açoute… Irrisão!…

    Senhor Deus dos desgraçados!
    Dizei-me vós, Senhor Deus,
    Se eu deliro… ou se é verdade
    Tanto horror perante os céus?!…
    Ó mar, por que não apagas
    Co’a esponja de tuas vagas
    Do teu manto este borrão?
    Astros! noites! tempestades!
    Rolai das imensidades!
    Varrei os mares, tufão! …

    VI

    Existe um povo que a bandeira empresta
    P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
    E deixa-a transformar-se nessa festa
    Em manto impuro de bacante fria!…
    Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
    Que impudente na gávea tripudia?
    Silêncio.  Musa… chora, e chora tanto
    Que o pavilhão se lave no teu pranto! …

    Auriverde pendão de minha terra,
    Que a brisa do Brasil beija e balança,
    Estandarte que a luz do sol encerra
    E as promessas divinas da esperança…
    Tu que, da liberdade após a guerra,
    Foste hasteado dos heróis na lança
    Antes te houvessem roto na batalha,
    Que servires a um povo de mortalha!…

    Fatalidade atroz que a mente esmaga!
    Extingue nesta hora o brigue imundo
    O trilho que Colombo abriu nas vagas,
    Como um íris no pélago profundo!
    Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga
    Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
    Andrada! arranca esse pendão dos ares!
    Colombo! fecha a porta dos teus mares!

     

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    Livros-de-Gil-DePaula "Navio Negreiro" - O Poema Imperdível de Castro Alves