Artigo publicado no jornal Guará Hoje em outubro de 2011
Por Gil DePaula
“Zé”, em 1970, era um garoto por volta dos seus doze anos. Filho de funcionário público de terceiro escalão, seu universo se constituía das aulas na escola pública, das brincadeiras de rua e na ajuda que prestava à mãe nos serviços domésticos. O mundo dos Generais, da ditadura e da repressão passava longe do seu, e que, em sua imaginação, era mais perto do encantamento trazido pelo futebol, com seus Pelés, Garrinchas, Gérsons e Rivelinos, principalmente após o tricampeonato brasileiro.
Do futebol logo se desiludiu, mesmo achando que possuía certa habilidade futebolística, pois Brasília era incipiente neste quesito. Estudar passou a ser o caminho para um fim: ter um diploma, primeiramente do curso que lhe permitiria profissionalizar-se, e mais tarde (quem sabe?) o da faculdade.
Trabalhando e pagando para estudar “Zé” finalmente alcança a faculdade, e eis que um mundo novo de repente lhe adentra aos olhos. Então, começa a ter consciência da sua alienação em relação ao mundo que vive, principalmente a relacionada à política.
“Zé”, a partir da sua nova visão, percebe que vive em uma ditadura, que pessoas foram perseguidas, torturadas, mortas, que existe um governo corrupto onde membros do governo e militares de alto escalão recebem subornos, e que apesar de já estar nos anos 80, esse estado de coisas se mantêm. Logo passa a fazer parte do diretório acadêmico, onde outros jovens idealistas lhe fazem companhia. O ideal de mudar a sociedade está presente na maioria que compõe aquele grêmio.
Confrontos com a direção da faculdade e até com agentes da ditadura acontecem, bem como discussões acaloradas e festas que invariavelmente acabam com todos abraçados debaixo dos versos: “Caminhando e cantando e seguindo a canção somos todos iguais braços dados ou não…” da música “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” de Geraldo Vandré.
Como diz o ditado popular “o que é bom não dura para sempre”, “Zé” percebe que o que é ruim também não. Logo os ventos da liberdade começam a soprar e acabam por levar com eles mais de 20 anos de ditadura. A esperança de dias melhores preenche a mente de “Zé”. Esperança essa, que ao longo dos anos vai se diluindo ao perceber que entra governo sai governo a corrupção se mantém enraizada. E assim passamos pelos anos 80, 90 e chegamos ao século 21, com um governo de um partido que até então se havia mantido não oposição e que “Ze” sempre acreditou que faria a diferença na questão da probidade.
Mas, “Zé” não demora muito e percebe que de tão corriqueira a corrupção, o novo governo não consegue se livrar dela. Que os interesses públicos continuam a não serem priorizados como deveriam ser. Que um repugnante jogo politico de interesses é usado como critério de escolha. Que em sua grande maioria os homens públicos que deveriam estar trabalhando pelo bem do país, estão enriquecendo ilicitamente, e fazendo o mesmo com seus sequazes. Obras superfaturadas, tráfico de influência e verbas abundantemente são desviadas dos setores mais carentes, como os da saúde e educação.
Isso tudo, enquanto esses moços, meros ladrões dos cidadãos brasileiros, piores que qualquer ladrão de galinha (pois se presume que este rouba para comer), vão se sentindo bem-sucedidos, “Zé” percebe que é apenas mais um “Zé”… Desiludido!