Por Gil DePaula
Em 1970, no Brasil, instituiu-se o Dia do Diplomata, usando-se como referência a data de nascimento do Barão do Rio Branco, que é considerado o patrono da diplomacia brasileira.
Ao longo da República Brasileira, tivemos centenas de homens de notável inteligência e saber, que exercendo a função de diplomatas engrandeceram a política externa brasileira. Homens de uma envergadura indiscutível, tais quais: Rui Barbosa, Barão do Rio Branco, Osvaldo Aranha, José Bonifácio e o Visconde do Rio Branco.
O abismo entres esses personagens e Eduardo Bolsonaro é de tal monta, que a proposta do Presidente Jair Bolsonaro em fazer do próprio filho embaixador nos Estados Unidos, soa, contundentemente, como uma piada das mais grosseiras e bizarras já escutadas pelos brasileiros, pelo menos, para aqueles que possuem bom senso e um mínimo de inteligência, além de ser uma afronta aos verdadeiros Diplomatas que se prepararam, adequadamente, para exercer, em toda sua plenitude, as exigências desse papel.
Até a ridícula pretensão do Presidente Brasileiro em nomear uma pessoa tão desqualificada para ser Diplomata, o postulante precisaria ser formado em algum curso de nível superior, de qualquer área, e ser aprovado no Concurso de Admissão do Instituto Rio Branco, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores. A prova costuma ser aplicada anualmente e a seleção é feita pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília.
O Concurso é dividido em quatro fases:
A primeira fase é composta por questões objetivas de Português, História Mundial e do Brasil, Inglês, Geografia, Política Internacional, Direito e Economia;
A segunda fase é composta por questões de Língua Portuguesa, com exercícios de interpretação e uma redação;
A terceira fase se faz de provas discursivas sobre História do Brasil, Geografia, Política Internacional, Inglês, Noções de Direito e Direito Internacional e Economia;
Na quarta fase temos provas de Francês e Espanhol.
Uma vez aprovado no Concurso, o aluno recebe imediatamente o título de Terceiro-Secretário e ingressa no Curso de Formação. O curso tem duração de dois anos e as aulas acontecem em período integral. Depois de concluir a formação, o Diplomata pode fazer outros cursos e evoluir na carreira, assumindo os seguintes cargos:
Segundo-Secretário;
Primeiro-Secretário;
Conselheiro;
Ministro de Segunda-Classe;
Ministro de Primeira-Classe, mais conhecido como Embaixador.
Cabe ao Diplomata lidar com assuntos diversos, tais como: direitos humanos, temas sociais, meio ambiente, educação, energia, paz e segurança, promoção comercial, temas financeiros, cooperação para desenvolvimento, promoção da cultura brasileira e cooperação educacional, entre outros, o que demonstra a necessidade de uma formação adequada e eclética.
Para que o leitor possua uma ideia da pujança dos homens que já foram Diplomatas Brasileiros, falarei um pouco sobre três deles:
José Bonifácio foi um homem à frente de seu tempo. Não à toa é conhecido como “Patriarca da Independência” e o “Primeiro Chanceler do Brasil”. Entre suas ideias centrais, encontram-se a defesa da abolição dos escravos, a integração das comunidades indígenas e africanas, a reforma do ensino e do uso da terra e a autonomia de atuação externa do país.
Bonifácio preocupava-se com a integridade territorial brasileira, com a soberania nacional e com a formação da jovem nação, que não poderia ser plenamente coesa e livre enquanto boa parte dela encontrava-se sob os grilhões da escravidão e da exclusão social.
Prova de seu vanguardismo intelectual está expressa em seu “Manifesto às nações amigas”, de 1822, no qual denuncia o colonialismo europeu e defende uma política externa soberana, baseada na não intervenção e na integração entre os países americanos, antes mesmo da Doutrina Monroe, de 1824.
O diplomata também defendeu a mudança da capital nacional para o interior do país a fim de atrair a população do litoral, garantir a defesa do Império contra eventuais ataques surpresa e ampliar as atividades econômicas para o resto do país.
Embora fosse defensor da monarquia, Bonifácio foi demitido de seu cargo por defender uma Constituição liberal capaz de limitar os poderes do monarca. Após o golpe contra a Constituinte de 1823, o Patriarca foi forçado a exilar-se.
José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819 – 1880)
José Maria da Silva Paranhos é considerado o mais brilhante diplomata do Império. Além de seu talento para a diplomacia, o Visconde foi também o Presidente do Conselho de Ministros mais duradouro do período imperial.
Paranhos, político expoente do Partido Conservador, representou a glória e a decadência do Império. Foi durante sua chefia de gabinete que a Lei do Ventre Livre foi aprovada, o que representou a consolidação do processo de abolição da escravatura e de declínio de uma das bases de sustentação do regime.
O Visconde notabilizou-se por sua atuação na região do Rio da Prata, zona de grande complexidade política e de interesse estratégico para o Brasil. O início de sua experiência diplomática deu-se por meio do convite de Carneiro Leão, então chefe de gabinete de ministros, para que integrasse a Missão Especial no Rio da Prata em 1851.
Posteriormente, Paranhos foi nomeado ministro residente no Uruguai, o que consolidou a atuação do estadista na região mais conflituosa para a política externa imperial. O Visconde foi designado para atuar na pacificação do Uruguai, que padecia de uma longa e violenta guerra civil.
Em 1865, ele participou da assinatura de um acordo de paz com o governo uruguaio que deu fim ao conflito, o que contribuiu para forjar uma aproximação entre Brasil, Uruguai e Argentina, que logo depois estariam unidos contra o Paraguai em uma nova e ainda mais violenta guerra.
Novamente cumprindo suas funções diplomáticas, o Visconde atuou na pacificação e na reconstrução de um Paraguai assolado por um dos maiores conflitos do século XIX. Sua tarefa consistia em contribuir para a consolidação de um governo estável e independente, garantir o cumprimento dos acordos de paz e conter os anseios expansionistas da Argentina sobre o país derrotado.
Ao fim, Paranhos foi peça chave para a consolidação dos objetivos estratégicos brasileiros na região do Prata: a segurança das fronteiras, a necessidade de estabelecer limites reconhecidos e a manutenção da livre navegação e circulação de bens e pessoas na região platina.
Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923)
Rui Barbosa foi, sem dúvidas, o nome mais importante do primeiro período republicano brasileiro. Bacharel em Direito, ele atuou como jornalista, advogado, senador, ministro de Estado e diplomata, além de ter sido candidato à presidência em duas ocasiões.
Foi um liberal convicto, defensor das liberdades individuais, do modelo federativo e da cidadania, segundo o modelo norte-americano, que lhe serviu de inspiração nos trabalhos de redação da Constituição Republicana de 1891.
Em 1916, ele representou o Brasil nas comemorações do centenário da independência da Argentina. Na ocasião, discursou sobre a questão da neutralidade na guerra para o direito internacional.
Sua atuação contribuiu para a entrada do Brasil na 1ª Guerra Mundial (1914-1918) ao lado da Tríplice Entente. Após o conflito, recusou convite presidencial para representar o país nas Conferências de Paz. Não obstante isso, sua participação mais brilhante, em termos diplomáticos, deu-se na II Conferência de Paz de Haia (1907), o que lhe rendeu a denominação de “Águia de Haia”.
Durante as discussões, Rui Barbosa empenhou-se na defesa do princípio da igualdade jurídica entre as nações, em contraste com teses exclusivistas defendidas pelas potências europeias e pelos EUA. Rui Barbosa, na ocasião, atuou em estreita cooperação com o chanceler Rio Branco, diálogo que rendeu bons frutos para a diplomacia brasileira.
O legado do notável jurista e político para a política externa nacional repousa na formação de uma firme tradição de participação em foros multilaterais, perpetuada por meio da Liga das Nações e da Organização das Nações Unidas, bem como na consolidação da defesa do Direito Internacional.
Como é possível ser comprovado, Eduardo Bolsonaro está muito aquém das qualidades e formação exigidas para um Diplomata. A questão não é se gosta ou não do Presidente. Da mesma forma, não interessa se Lula e Dilma nomearam para cargos públicos seus filhos, que não seriam merecedores, pois erros anteriores não justificam novos desacertos. O problema passa pela promessa de mudança comportamental emitida pelo Presidente, que deveria, inclusive, começar pela família dele. Particularmente, espero que o Senado não compactue com essa aberração.