Por Gil DePaula
(Texto originalmente publicado em 2017)
Ao longo dos anos que venho escrevendo, seja para o jornal Guará Hoje, ou para o blog do Gil, sempre fui reticente sobre escrever a respeito do racismo que, veladamente ou explicitamente, infecta a sociedade brasileira e outras consideradas mais adiantadas que a nossa. Primeiro: por ser negro e não querer parecer piegas ou recalcado, depois; por ter vários amigos brancos ou pseudo-brancos (explico depois) que sempre me trataram com carinho e o devido respeito como devem ser tratadas todas as pessoas, independentemente do que professam, da sua descendência, da opção sexual, da sua condição física, da sua opção política, etc.
Estarmos em pleno carnaval, talvez tenha me levado a decidir escrever sobre o tema, pois se há algo que acho detestável é o estereótipo, seguido pela falta de consciência das massas. No caso; das massas compostas por negros e pessoas menos abastadas, que apenas e somente no carnaval tornam-se atração principal nas telas da TV, com seus rebolados e largos sorrisos, pois no conceito pré-estabelecido, espera-se que saibam sambar e que gostem de pagode. Espera-se que por três, quatro dias sintam-se felizes. Espera-se, que se esqueçam das mazelas como a corrupção desenfreada que assola o país. Que se esqueçam da falta de emprego, da violência, do caos na saúde pública. Espera-se, que não tenham consciência que são vistos como cidadãos de terceira categoria.
A escravidão oficialmente no Brasil perdurou durante 388 anos, porém, a história por si só, prova que a servidão negra se estendeu por muito mais, de uma forma mais perversa que as chibatadas desferidas nos costados dos cativos. A partir da abolição (não esqueçamos que o Brasil foi um dos últimos, se não o derradeiro país a libertar os escravos) inicia-se a catequese, que diferentemente daquela que mirou os índios, é uma catequese social para que o negro “saiba seu lugar”.
Logo após a abolição, as oportunidades de bons empregos dadas aos negros são inexistentes, bem como o acesso à educação. Em lugares frequentados pelas pessoas brancas não lhe é permitido frequentar. Sem opção, continuam morando com seus antigos senhores em troca de comida e abrigo, ou vão morar nas periferias, em lugares sem nenhuma infraestrutura, dando origem a verdadeiros cortiços e favelas, sempre colocados à margem do interesse governamental.
O passar dos anos transmuta a condição inicial do negro, que salvo raras exceções, passam a morar em suas próprias casas e, alguns, até ascendem a uma melhor condição social. Mas, chegamos aos anos 60, época em que, até a entrada em um elevador social não lhe é permitida.
Diferentemente dos Estados Unidos onde o racismo é explicito, no Brasil ele é sutil. A brutalidade e a crueza do racismo norte-americano provaram ser sua maior fraqueza. Ao inverso, a flexibilidade e a sutileza do racismo brasileiro provaram ser a sua maior força. A indignação moral contra a desigualdade racial é muito mais difícil de ser gerada em um país onde a discriminação assenta-se sobre formas silenciosas e, às vezes, inconsistentes, tornando difícil identificá-la e transformá-la em ação política. Impede ainda mais a criação de um sentido de indignação contra o racismo a triste necessidade de combater toda uma série de injustiças que caracterizam a sociedade brasileira.
Milhões de negros brasileiros sofrem diariamente a injúria e as aflições da discriminação racial. Mas milhões de brasileiros, de todas as raças, sofrem talvez as mais básicas injúrias da miséria, desnutrição, ausência de oportunidade de educação, das mazelas ambientais. Claro que o racismo funciona como agravante dessas injúrias e, na mesma medida em que a sociedade é dividida racialmente, ela é vulnerável à dominação e exploração das camadas superiores. Até os membros do grupo racial dominante sofrem em si mesmos a situação, como tão eloquentemente evidenciam as multidões de “brancos pobres” da América do Sul e do Brasil.
No primeiro parágrafo deste texto usei a expressão “pseudo-brancos” e por que me utilizei desta palavra? Porque, grande parte da população negra quando “clareia” tem vergonha de admitir suas origens, mesmo que elas estejam evidentes na cor da sua pele, no seu cabelo ou nos seus traços fisionômicos. É como se um cabelo liso ou uma pele mais clara, a livrasse do quinhão genético negro que possui. Já presenciei atitudes que são verdadeiras “pérolas” tomadas por pessoas evidentemente negras que preferem alcunhas de morenos, sararás e até se dizem índios, para não assumir sua negritude.
Entretanto, esta vergonha de se assumir negro tem sua razão, pois imaginemos uma criança negra que quando ganha sua primeira boneca, esta é loira dos olhos azuis. Os personagens do seu primeiro livro de historinhas – princesas e príncipes – seguem o mesmo padrão. Na televisão o mocinho e a mocinha, bem como os apresentadores e os principais repórteres são brancos e, geralmente, os negros estão na cozinha. Pronto, está, então, formado o padrão de beleza que passa longe de ser negro. Esta criança se não for bem orientada criará um sentimento de inferioridade, que a fará buscar para si um padrão branco, que pode ser reforçado por um cabelo liso, olhos mais claros, etc.
Temos visto ao redor do mundo jogadores de futebol serem discriminados, alguns que até passariam como brancos pelos padrões brasileiros. Recentemente, um casal de atores brancos (Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank) adotaram uma menina negra e foram vítimas de ataques racistas pelas redes sociais, logicamente os covardes o fizeram acreditando no anonimato, pois hoje, grande parte da nossa sociedade, dos mais diversos matizes, repudiam qualquer tipo de discriminação, sinais do tempo e da evolução humana.
A grande maioria da nossa população se diz Cristã, entretanto, os preconceituosos passam bem longe dos ensinamentos do Cristo, que pregou a igualdade, a fraternidade e o amor. São Cristãos de conveniência, de fachada e que em sua utopia de valores morais não compreendem que todos nós somos seres da mesma seara, em busca do mesmo caminho; a evolução espiritual.
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??????? Texto maravilhoso e verdadeiro, sou sua fã, adoro fazer parte do mesmo seio familiar que o seu, pois admiro sua sensibilidade ao relatar algo tão profundo com tanta sapiência e retidão.
Agradeço por demais Solange. Abraços!