Por Gil DePaula
Têm certas coisas que beiram o absurdo e que podemos incluir no rol das aberrações. Termos um senador com a biografia de Renan Calheiros é uma delas. Pois vejamos:
José Renan Vasconcelos Calheiros, nascido em 16 de setembro de 1955, nas Alagoas, filiado ao PMDB, foi deputado federal e três vezes senador da República, sendo o atual relator da CPI da covid, carregando nas costas várias denúncias por corrupção.
Um conjunto dessas denúncias que atingiu Renan ocupou as manchetes da imprensa brasileira em 2007. O caso foi chamado de Renangate, neologismo aludindo ao escândalo do Watergate e outros que usaram a mesma terminação gate. A crise começou em 25 de maio, com a circulação da notícia sobre o pagamento da empresa Mendes Júnior à ex-amante de Renan, e perdurou até 11 de novembro de 2016, quando ele renunciou à presidência do Senado.
As denúncias começaram com a revelação, em reportagem de capa da revista Veja, de que a empreiteira Mendes Júnior pagava 12 mil reais por mês à jornalista Mônica Veloso. Segundo a revista, Mônica havia sido amante de Renan e tivera um filho com ele.
A partir de então, uma sequência de denúncias na mídia relatou: a compra de rádios em Alagoas, em sociedade com João Lyra, em nome de laranjas; o ganho com tráfico de influência, junto à empresa Schincariol, na compra de uma fábrica de refrigerantes, com recompensa milionária; o uso de notas fiscais frias, em nome de empresas fantasmas, para comprovar seus rendimentos; a montagem de um esquema de desvio de dinheiro público em ministérios comandados pelo PMDB; e a montagem de um esquema de espionagem contra senadores da oposição ao governo Lula.
Ao todo, houve seis representações no Conselho de Ética do Senado do Brasil, por seus pares, pedindo a cassação de Renan. Na época, sob pressão do público, Renan desistiu da presidência do senado, embora sem abandonar o mandato.
Atualmente, Renan Calheiros também é investigado em outros dezessete inquéritos no Supremo, sendo oito relacionados à Operação Lava Jato, por suspeita de participação dele no esquema de desvio de dinheiro da Petrobras.
Como se não bastasse tudo isso, Renan criou a PL 280, projeto de Lei criticado por vários juízes, inclusive por Sérgio Moro. De acordo com eles, vários dispositivos do projeto de lei do Senado Federal abrem a possibilidade de punição ao juiz pelo fato de interpretar a lei, atingindo a independência e criminalizando a atividade judicial.
Para os magistrados, a proposta tem o objetivo de intimidar juízes, desembargadores, ministros e outras autoridades na aplicação da lei penal, principalmente em casos de corrupção que envolvam políticos, empresários e ocupantes de cargos públicos.
O ex-juiz federal Sérgio Moro (na época) chegou a interromper uma audiência que conduzia com ex-executivos ligados à Andrade Gutierrez para falar sobre o tema. O magistrado disse que a rejeição do projeto é importante para que não haja interferências em processos que envolvam pessoas poderosas. “É importante que ao juiz seja garantido que as interpretações que ele realizar da lei e do direito não sejam criminalizadas. Por isso, que a magistratura, com o apoio das outras instituições, é especialmente contra esse projeto”, disse o juiz.
Moro acreditava que as investigações da polícia e do Ministério Público pudessem ser prejudicadas com a aprovação da medida. “Se esse projeto for aprovado, haverá um efetivo risco às investigações. E eu não digo aqui sobre a Operação Lava Jato, porque isso transcende em muito a Operação Lava Jato. Isso diz respeito à independência da magistratura, isso é válido para toda e qualquer investigação, presente ou futura”, afirmou.
Entretanto, não podemos esquecer que temos um judiciário moroso, e com regalias nababescas (juízes com vários motoristas, servidores pessoais, auxílios disso e daquilo que são incorporados aos vencimentos, segurança pessoal, etc.) onde salários beiram à fantasia se comparados com as condições salariais que vivem o povo brasileiro. Temos relatos de magistrados que recebem mais de meio milhão de reais por mês, uma situação vergonhosa que deve ser combatida. Se a PL 280 visasse isto, sem os desvios apontados, com certeza seria bem vinda.
Colocado estas questões, o que mais me intriga é o poder que alguns políticos possuem de mesmo com várias denúncias pesando sobre si, algumas comprovadas outras em busca da comprovação, permanecerem no poder, apadrinhados e amparados por expressiva quantidade de seus pares, e na pouca reação da sociedade que vai aceitando passivamente esses indivíduos nos cargos mais expressivos da República.
Finalizando deixo uma questão: que moral tem um homem com esta biografia para criar um projeto que foi de encontro aos interesses dos cidadãos de bem, e que foi, nitidamente, para beneficiá-lo e a outros de procedimento igualmente escuso? Que moral tem esse homem para continuar como senador e, principalmente, ser o relator de uma CPI?
Livros de Gil DePaula
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