José Pedro de Freitas mais conhecido como José Arigó ou simplesmente Zé Arigó, foi um célebre médium e dirigente do Centro Espírita Jesus Nazareno, em sua cidade natal (Congonhas do Campo), ganhando fama nacional e internacionalmente devido as extraordinárias cirurgias espirituais assistidas pelo Espírito denominado Dr. Fritz.
Acusado de charlatanismo, foi condenado e preso, depois anistiado pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek; em seguida, condenado e preso novamente, apesar do forte apelo popular contrário à sua prisão.
Foi contemporâneo e amigo de Chico Xavier e José Herculano Pires — dois dos mais notáveis espíritas do seu tempo. Herculano, inclusive, foi seu biógrafo e destemido defensor da integridade moral de Arigó.
Origem e Família
Origem e Família
O simples “Zé” nasceu numa família de roceiros, moradores em uma fazenda distante seis quilômetros da cidade mineira de Congonhas (famosa pela arte do mestre Aleijadinho). Sendo um dos oito filhos do casal Antônio de Freitas Sobrinho e Maria André de Freitas.
As escassas condições financeiras só lhe permitiram cursar até o terceiro ano do ensino fundamental, forçando-o precocemente a se dedicar ao trabalho da roça. Tentando a sorte na cidade, investiu dois anos como proprietário de um pequeno bar e dele se desfez para ingressar numa companhia de mineração, onde trabalharia por seis anos.
Seu pouco estudo e seu jeito rude no trato com as coisas rendeu-lhe, nessa época, um qualificativo que se tornaria seu sobrenome conhecido, pois o apelido Arigó, dado a ele, significa: roceiro, simplório, puxador de enxada e ignorante.
Apesar da falta de uma cultura letrada, nele havia um carisma especial, que envolvia as pessoas com quem se relacionava mais proximamente, o que lhe arrastou ao movimento sindical e, consequentemente, à política, predominando nele uma incomum preocupação com os mais necessitados. Mais tarde, seria nomeado servidor da autarquia pública de pensões IAPETC (posteriormente incorporada ao INSS).
Em 1942, aos vinte e cinco anos de idade, casou-se com Arlete Soares de Freitas, sua prima em 4º grau — a quem chamava de “anjo encarnado” — de cuja união nasceram seis filhos.
Desenvolvimento Mediúnico
Desenvolvimento Mediúnico
Sua vida não apresenta lances de heroísmo nem realizações sociais, políticas ou intelectuais que o pudessem destacar entre os seus concidadãos. Vive o dia a dia da cidade em que todos o conheceram desde a mais tenra idade, pois pertence a uma família tradicional.
Entretanto, José Pedro de Freitas é médium incomum, trazendo para a atual existência uma das mais árduas missões que uma criatura humana pode enfrentar na terra: a de provar a natureza espiritual do homem. Basta isso para que a sua vida humilde se transformasse em martírio, como realmente se transformou.
Ainda na infância, o pequeno Zé protagonizou no seu cotidiano fatos incompreendidos, e que mais tarde lhe seriam naturalmente explicados como intervenções espirituais. Muitos desses episódios, aliás, viriam lhe render até castigos físicos dos pais, como repreensão à “imaginação fértil” do menino.
Educado na cultura católica e totalmente desconhecedor do Espiritismo e da mediunidade, Zé Arigó cresceu convivendo com os infortúnios que sua sensibilidade especial lhe causava, sem compreender a si próprio e tendo que desconsiderar o estranhamento comum das pessoas que lhe ridicularizavam.
Em certo momento, já homem, casado e pai de família, os fenômenos se intensificaram e o arrastaram para um despertar das atribuições excepcionais que lhes foram confiadas, quando do seu planejamento reencarnatório.
Ele começou a ter fortes dores de cabeça, visões de um forte facho de luz, seguidos por pesadelos; nos quais, era recorrente uma voz gutural, num idioma que ele ignorava.
Certa noite, teve um sonho bem mais nítido, em que estava numa sala de cirurgia, entre médicos e enfermeiras, usando trajes antigos, reunidos em torno de um paciente, que se submetia a uma operação, sob a direção de um homem robusto e calvo.
Após repetidas noites tendo o mesmo sonho, o personagem central se apresentaria a Zé Arigó pelo nome de Dr. Adolpho Fritz, médico alemão desencarnado durante a I Guerra Mundial, sem completar sua obra na Terra. Arigó foi escolhido para ajudar o dr. Fritz a completar sua obra.
Outros Espíritos, que também haviam sido médicos encarnados, também ajudariam Arigó a dedicar-se à tarefa de curar os enfermos e aflitos.
Em um dos seus sonhos, despertando abruptamente, fortemente assustado, Arigó pulou da cama e saiu correndo nu para a rua, aos gritos. Parentes e vizinhos o reconduziram à sua casa, enquanto ele chorava copiosamente.
Submetido a exames clínicos e psicológicos, nada de anormal nele foi diagnosticado, mas os pesadelos e as dores de cabeça continuaram. Como era de praxe nesses casos, ele foi levado ao padre da cidade, que tentou ajudá-lo com sessões de exorcismo, sem nenhum resultado positivo.
Arigó, um tanto convencido da real existência do Espírito do Dr. Fritz — e de que não estava louco — passa por uma experiência inusitada: encontrando um amigo aleijado, que usava muletas para andar, Arigó, tomado de um impulso, brada: “Já é tempo de você largar estas muletas!”, ao mesmo tempo em que as arrancava dele, ordenando-o que caminhasse. Desse dia em diante, o rapaz deficiente passou a caminhar normalmente.
Dr. Fritz
Dr. Fritz
Em depoimento à escritora Leida Lúcia de Oliveira, o próprio Dr. Fritz — incorporado em Arigó — relatou sua biografia na vida passada: nasceu em Munique, Alemanha, filho de camponeses, que depois migraram para a Polônia em busca de um clima melhor, já que seu pai era asmático.
Semelhante ao médium escolhido, ingressou muito cedo no trabalho para ajudar a família, não deixando de lado o obstinado desejo de ser médico. Com esforço conseguiu entrar na faculdade de medicina e quando estagiava em um hospital, pouco tempo faltando para sua formatura, teve o infortúnio de ser responsabilizado pelo procedimento equivocado de uma enfermeira assistente num atendimento de urgência de uma filha de um general.
“A filha do general acabou desencarnando e a culpa recaiu sobre Fritz, que foi preso, açoitado, torturado, sendo até amarrado em uma cruz. Ficou preso por algum tempo e, dessa prisão, conseguiu fugir para a Estônia, onde viveu de 1914 a 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, quando desencarnou.
Mesmo antes da desencarnação, percebendo o chamado espiritual, prometeu a si mesmo que assim que pudesse, assim que fosse permitido, voltaria à Terra com a sublime missão de curar os enfermos.”
A Cura do Senador Bittencourt
A Cura do Senador Bittencourt
Ainda no começo de sua jornada, quando o Dr. Fritz despertou Arigó para a necessidade do trabalho espiritual, o médium teve contato com um renomado político de seu estado, que mais adiante se consagraria senador da República, resultando daí um caso que ganhou notoriedade.
O político Lúcio Bittencourt estava em campanha para a eleição de 1950, concorrendo a uma vaga para deputado federal, malgrado a advertência dos seus médicos, devido a ele ter sido diagnosticado com câncer pulmonar. A recomendação era a de ele ser operado imediatamente, de preferência nos Estados Unidos, em razão da escassez de recursos no Brasil.
Entretanto, Bittencourt decediu adiar a cirurgia para depois das eleições. Em meio à sua campanha, achou-se lado a lado num palanque com Zé Arigó em Congonhas. O futuro deputado ficou impressionado com o carisma e o magnetismo transmitidos por aquele sindicalista iletrado e o convidou a lhe seguir para Belo Horizonte, onde participariam de mais um comício. O político e o médium ficaram hospedados num mesmo hotel, onde aconteceu um fato surpreendente.
Estando Lúcio Bittencourt estendido na cama de seu quarto, pensativo e preocupado com seu quadro de saúde, viu a porta do recinto abrir-se e por ela adentrar o seu correligionário. Arigó, ora com um aspecto estranhamente grave, acendeu a luz do quarto e, com uma navalha na mão, fez com que o político ficasse de costas.
Estarrecido com a “invasão”, o paciente tentou erguer-se, mas uma estranha fraqueza o dominou e o fez cair em sono profundo. Desperto, na manhã seguinte, verificou que seu pijama estava rasgado nas costas e coberto de sangue coagulado. O próprio médium, ao ouvir o relato do operado, ficou abismado, porque de absolutamente nada se recordava. O tumor cancerígeno havia sido removido, e, como se confirmou mais tarde, o paciente ficou completamente curado.
Os êxitos, no caso do senador e do deficiente físico, animaram Arigó a dar crédito ao amigo espiritual, brotando uma parceria admirável.
A Parceria Zé Arigó e Dr. Fritz
A Parceria Zé Arigó e Dr. Fritz
Obedecendo às orientações do doutor invisível, Arigó começou a gastar a navalha. A fama de curandeiro correu depressa e a demanda cresceu vertiginosamente. Não tardou, ele abriu um consultório em Congonhas para atender os desesperados que lhe apelavam socorro. Além das incisões, por vezes Dr. Fritz também prescrevia remédios e passava receitas caseiras.
E assim se estabeleceu uma rotina: depois do seu expediente no IAPETC, no período da tarde, o médium ia para o seu consultório atender ao grupo, cada vez maior de enfermos, chegando a perder a conta das horas de serviços prestados, noite adentro — sempre a custo zero de pagamento.
No máximo, aqui e acolá, custava ao paciente um conselho mais duro do Dr. Fritz. Numa dessas ocorrências, o alemão diz a um rapaz, que lhe reclamava dores abdominais: “Vai embora. Você não tem nada! Come demais e dorme demais. Só isso. Mande tirar uma chapa. Se tiver alguma coisa traga aqui que eu “engole” (engulo)!”.
O atendimento se dava da seguinte maneira: sentado atrás de uma mesinha rústica, quando o doente chegava à sua frente, Dr. Fritz perguntava: “Seu nome? Quantos anos tem? Onde mora?”. Quando o paciente começava a falar sobre sua doença, Dr. Fritz retrucava, dizendo: “Não precisa dizer nada, eu já sei tudo.”
Sobre uma pilha de papel branco, sua mão segurava uma caneta que, de vez em quando, era molhada dentro de um tinteiro e, assim, escrevia as receitas.
A procura pelo médium só crescia. O expediente no consultório girava em torno de duzentos atendimentos diários, tanto que às vezes o médium também dava plantão na parte da manhã, não obstante a rudeza com que frequentemente o doutor do além falava pela boca do médium Arigó.
E delicadeza passava longe mesmo. A primeira aparição do Dr. Adolf Fritz causou espanto ao médium, que descreveu: “Era um monstro com uma barriga enorme e a cara alemã”.
Quando o doente queria se prolongar em explicações e lamúrias, Arigó se levanta ou se virava na cadeira, com seus olhos embaciados por uma espécie de neblina e grita no sotaque alemão do Dr. Fritz: “Já sei. Vá embora! Tome os remédios.”
De outra feita, uma madame que estava gravemente enferme viajara de longe para “tentar a sorte” no consultório de Arigó, mas ao invés de lá se apresentar pessoalmente, enviou o seu chofer. Ao ver o rapaz na fila, o Espírito incorporado no médium bradou “O que você veio fazer aqui? Você não ter nada. Vá embora! Dê o lugar pra quem precisa!”
Aos pacientes do tipo recorrente, nem escutava a queixa: “Não precisa. Já sei. Você bebe tudo gelado, pita muito. Como quer sarar da bronquite? Bebida e fumo estão acabando com brasileiros!”. Até quando queria ser consolador, era grosso:
Eu um episódio, um rapaz que havia passado pelo exame recebe a receita sem nada falar, e Arigó pergunta quem o acompanhava. Era o pai. Mandou chamá-lo. Despachou o rapaz e declarou ao pai: “ele tem câncer. Já sabia? Não? Vá embora!” O homem gagueja, vacila em sair. Arigó mostra-se compadecido. Levanta-se, dá-lhe uma palmada no ombro: “Vá embora. Vai curar”. O homem se retira, Arigó sacode a cabeça e continua a atender os consulentes.
O Modo de Operação
O Modo de Operação
Tão impressionante quanto o resultado em si (muitas curas foram realizadas) é o modo de atuação do Dr. Fritz por meio de Zé Arigó. Além das receitas, ele atuava simplesmente com facas e canivetes para fazer pequenas incisões e extrair tumores e quistos dos pacientes, na mesma sala onde outros enfermos aguardavam a vez, à vista de qualquer um, numa velocidade desafiadora e um ar de simplicidade e segurança do que está fazendo. E tudo isso sem anestesia ou cuidados especiais de assepsia, em que o paciente nada mais sentia do que um contato externo, porquanto eram tomados por uma espécie de prostração.
Fritz informa que a assepsia e a anestesia estão a cargo de Frei Fabiano de Cristo, que se concentra e ora no ambiente, provocando a descida, de altas esferas, de um jorro de luz verde que impregna o ambiente e produz ao mesmo tempo a assepsia geral e a anestesia do paciente.
Se a luz verde for em excesso produzirá anestesia geral. De maneira que deve haver um processo de controle para que ela incida de forma conveniente.
O célebre pesquisador espírita Jorge Rizzini conta que, certa vez, Fritz pediu mais luz ao colega Espírito Frei Fabiano de Cristo e vários doentes caíram em estado de catalepsia.
O Caso dos Cientistas Americanos
O Caso dos Cientistas Americanos
Com o nome correndo mundo a fora, pessoas da América Latina, dos Estados Unidos, Europa e Japão desembarcaram para se submeter ao doutor espiritual. Outros vieram para verificar o fenômeno.
Esse foi caso dos norte-americanos Dr. Andrija Puahrich e Dr. Henri Belk, cientistas da área médica e interessados em paranormalidade, que em 1963 foram a Congonhas acompanhados de dois intérpretes da Universidade do Rio de Janeiro, além de Jorge Rizzini, que se ofereceu para filmar o atendimento.
Acontecia que o Dr. Puahrich, há mais de sete anos era portador de um tumor, embora não de tipo maligno, um lipoma, dentro do cotovelo esquerdo, que, apesar de indolor, incomodava um tanto.
Um pouco hesitante, o Dr. Puahrich resolveu pedir a Arigó para extirpar o lipoma. Sendo realizado, então, os preparativos para a filmagem do evento. Quando Puahrich chegou à clínica, na manhã seguinte, Arigó virou-se para os pacientes, que já enchiam a sala e perguntou: “Alguém aí tem um bom canivete brasileiro para eu usar neste americano?” Embora horrorizado, Puahrich não podia mais recuar.
De todos os lados apareceram canivetes. Então, Arigó, ou melhor, Dr. Fritz escolheu um e se voltou para o paciente dizendo, com a delicadeza que lhe era peculiar: “Arregace a manga, doutor!”
Alguns segundos depois, Puahrich sentiu na palma da mão algo macio, juntamente com o canivete. Era o lipoma. Olhou para seu braço e notou a parte onde ficava o tumor totalmente desinchada. Havia apenas uma pequena incisão, de menos de cinco centímetros de comprimento e uma pequena quantidade de sangue.
O americano experimentou apenas uma vaga sensação e declarou mais tarde: “Nada senti. Não podia acreditar no que aconteceu e, entretanto, acontecera, pois, quanto a isso, não podia haver dúvida. ”
A cirurgia não foi seguida de qualquer infecção e o ferimento cicatrizou completamente. O filme de Rizzini ficou muito nítido e mostrou que a operação durara apenas alguns segundos. Os americanos não tiveram mais dúvidas e ficaram totalmente convencidos da veracidade dos fenômenos.
A repercussão dessa operação foi sucedida por outras mais, como o caso de uma equipe japonesa formada por quinze membros da televisão de Tóquio (Nipon Television Network Corporation) reportando as investigações do professor e escritor Toshyia Nakaoka, que foi duas vezes operado pelo médium.
Arigó Declara-se Espírita
Arigó Declara-se Espírita
Católicos praticante, Arigó cresceu trabalhando e rezando o rosário, sem muitas dúvidas ou preocupações teológicas. E, mesmo prestando atendimento espiritual há cinco anos, permaneceu alheio às questões religiosas e se declarava católico.
Em dado momento, porém, começou a ser ostensivamente questionado sobre a conformidade desse ofício inusitado com o catecismo da igreja. Cansado dessas querelas e dos açoites de clérigos, resolveu deixar a igreja de lado e se declarar espírita, carregando, como lembrança do catolicismo, um já gasto crucifixo, que ele conservava todo o tempo no bolso.
Após essa ruptura, aproximou-se de um conterrâneo estudioso do Espiritismo e se iniciou na doutrina codificada por Allan Kardec. Então surgiu o Centro Espírita Jesus Nazareno, o primeiro de Congonhas. Apoiado por este grupo, o médium passou a atender seus pacientes na sede da instituição.
Arigó tornou-se espírita, não pelo estudo das obras doutrinárias nem pela influência de qualquer doutrinador, mas pela própria vivência da doutrina. Ele aprendeu vivendo e sofrendo os problemas da mediunidade na própria carne.
Ao saber que o médium estava lendo obras que tratavam do Espiritismo, o clero pouco arejado de Congonhas, rompeu com Arigó, não levando em consideração as curas de coroinhas, seminaristas, padres, bispos e, inclusive, o secretário particular do Papa Pio XII, fato amplamente divulgado na época por toda a imprensa brasileira. Mas o trabalho continuava.
O Martírio de Arigó
O Martírio de Arigó
Além dos pobres anônimos, pesquisadores e curiosos em geral, a fila crescia de gente de tudo quanto era lugar. Congonhas passou a ter linha de ônibus regular para São Paulo, Santiago do Chile e Buenos Aires da Argentina.
E como não poderia ser diferente, celebridades e pessoas da alta sociedade igualmente marcavam presença em Congonhas em busca do tratamento do Dr. Fritz. Porém todos, qualquer que fosse o status, eram tratados com equidade e Arigó seguia prestando seus serviços sem jamais cobrar nada.
A fama veio acompanhada de sérios problemas: além de enfrentar a perseguição do clero católico e seus fiéis mais fanáticos, Arigó se viu de encontro com as autoridades da justiça.
Em 1958 a Associação Médica de Minas Gerais o processou, sob a acusação de prática de curandeirismo; condenado a quinze meses de prisão, Arigó foi preso, mas logo em seguida recebeu o indulto do então presidente da República, Juscelino Kubitschek (que era declarado simpatizado da obra de Chico Xavier e do Espiritismo, conquanto se declarasse católico). Um ano depois, o médium retribuiria o favor ao presidente curando sua filha, Márcia Kubitschek, de uma sofrida crise de cálculos renais.
Entretanto, em 1964, ele vai responder a novo processo, pela mesma acusação e pelo mesmo autor da denúncia do julgamento anterior.
Na sequência a condenação e a pena estipulada em dezesseis meses de xadrez. A caminho da penitenciária de Conselheiro Lafaiete, o médium, resignado, disse a um jornalista: “Agora vou ter muito tempo para ler o Evangelho”.
A mais influente revista da época, O Cruzeiro, ironizou o infortúnio do espírita com uma matéria intitulada “O feitiço contra o feiticeiro”, mas reconheceu a resignação do condenado: “Como a delegacia de Congonhas não dispõe de veículo para conduzir presos, Arigó foi para o xadrez dirigindo seu jipe, acompanhado por dois soldados da Força Pública e pelos filhos e irmãos (ele tem seis filhos).
O jipe era seguido por numerosos automóveis, cujas buzinas soavam expressando a fé de alguns adeptos nos misteriosos poderes do ‘médium’, os quais, para seu infortúnio, não bastaram para comover a Justiça.”
O presidente prontamente se comprometeu a lhe indultar novamente, mas desta vez o condenado recusou a gentileza: “indulto é para criminoso” — alegou Arigó, que só não havia rejeitado aquele primeiro, concedido em 1958, por sequer saber exatamente de que se tratava tal “privilégio”.
Arigó Preso
Arigó Preso
Em dias de visitação, verdadeira caravana se dirigia ao presídio para visitá-lo: alguns para lhe levar consolo, outros para buscar a cura de suas doenças — e o Dr. Fritz não se ausentou.
Outra importante revista da época, Fatos e Fotos, publicou uma matéria — bem mais branda que o editorial de O Cruzeiro — intitulada “O milagre continua”. Conta-se que até o delegado da cidade levou a mãe para se tratar através do médium detento, que não se recusou a consulta, contudo não lhe permitiu furar a fila, que já era considerável àquela hora do dia.
Dócil para com todos, o médium recebeu tratamento diferenciado dos demais presos, mas fez dessas regalias uma campanha em prol de melhores condições a todos os ali penitenciados. “É uma pena o que fazem com esses meus colegas, gente boa, que precisa ser melhor tratada para se corrigir!” — declarou ele. Herculano Pires registrou seus apelos:
Passou a conversar diariamente com os colegas, a interessar-se por todos eles, a distribuir com todos os presentes, frutas e doces que recebia, a pedir para eles a assistência de advogados e o amparo de autoridades que o visitavam.
Conseguiu também, com auxílio dos seus parentes e amigos de Congonhas, que a imunda cadeia passasse por uma limpeza e pintura. Pediu que enviassem colchões aos presos e lutou para melhorar as instalações da prisão, com instalação de chuveiro e enceramento constante do piso.
Chegou a denunciar espancamento e humilhações contra outros detentos a que ali presenciara, conseguindo inclusive a abertura de alguns inquéritos a respeito. Certa vez, diante dos fatos absurdos que presenciou, foi tomado de forte comoção e sofreu um enfarte que obrigou a sua remoção para um hospital. Seu sofrimento era intenso. Mas todos os que o visitavam saíam consolados com as suas palavras: “Tudo o que Deus faz é bom — dizia ele constantemente —. Se Deus me permitiu vir para cá era porque eu tinha alguma coisa a fazer.”
O serviço de correspondência da Secretaria Particular do Presidente da República divulgou que, entre outubro de 1964 e julho de 1965, das oitenta mil cartas ali recebidas, do país e do exterior, a maioria destinava-se a pedir indulto para o médium sacrificado. Dos pedidos do exterior destacavam-se ofícios e memorandos de instituições interessadas em pesquisas psíquicas.
Pedidos de apelação foram feitos, mas o Tribunal de Alçada de Minas Gerais confirmou a sentença do Juiz, apesar de todas as razões da defesa formulada pelo advogado Jair Leonardo Lopes, apoiado por importantes pareceres de grandes juristas do Rio, de Belo Horizonte e de São Paulo.
Em seu livro Arigó – a verdade que abala o Brasil, o jornalista Moacir Jorge chamou Arigó de “réu sem vítimas”, pois desses dois milhões de clientes nem um só recorreu à Justiça para processá-lo. Nem um só reclamou contra qualquer prejuízo. Todos foram beneficiados.
As grandes instituições espíritas não se comprometeram efetivamente na defesa do médium, exceção feita ao Clube dos Jornalistas Espíritas do Estado de São Paulo — muito em função da mobilização feita por José Herculano Pires, amigo e íntimo conhecedor da obra de Zé Arigó.
O Clube enviou várias delegações a Congonhas e posteriormente a Lafaiete, oferecendo assistência jurídica e amparo moral. O caso foi afinal parar no Supremo Tribunal Federal e ali se obteve — por unanimidade — a anulação da sentença. Arigó foi solto e os autos voltaram ao Juiz de Congonhas para proferir nova sentença. Em liberdade provisória, à espera do novo pronunciamento da Justiça, Arigó foi recebido em Congonhas com verdadeira festa popular. E continuou no cumprimento da sua missão. Obviamente que as perseguições não sossegaram.
Arigó Perante o Movimento Espírita
Arigó Perante o Movimento Espírita
A “despreocupação” de Arigó com as letras da doutrina sempre incomodou os kardecistas mais ortodoxos e não é surpreendente que ainda atualmente alguns destes lhe neguem a qualidade de espírita.
Sua mediunidade era notória demais para ser questionada e os efeitos dela não exigiam muito estudo doutrinário para serem bem compreendidos; a questão, no entanto, era a forma como estava sendo utilizada.
Os motivos de perplexidade no campo espírita podem ser resumidos nos seguintes pontos:
Os motivos de perplexidade no campo espírita podem ser resumidos nos seguintes pontos:
1) Arigó não praticava as conhecidas operações espirituais em ambiente de sessão mediúnica, mas verdadeiras operações cirúrgicas, utilizando-se de bisturis ou de substitutos grosseiros, como facas, canivetes, tesouras;
2) Não pedia concentração dos enfermos nem dos presentes, não preparava ambiente e cortava de maneira brusca, sangrando e fazendo o sangue parar quando lhe convinha;
3) Arigó usava um crucifixo e costumava fazer o Nome do Padre, de acordo com o ritual católico
4) Tratava os doentes, em geral, com rispidez, muito distante das normas habituais das relações evangélicas seguidas no meio espírita;
5) Arigó receitava listas imensas de remédios perigosos, como antibióticos violentos em doses maciças, que os médicos condenavam, e dizia com estranha certeza se o doente iria curar-se ou não;
6) Às vezes dizia claramente ao enfermo: “O seu caso não tem cura; é karma; vou receitar só para ajudar”, o que parecia falta de caridade;
7) Em meio de uma operação, Arigó deixava os instrumentos na ferida (como facas penduradas nos olhos, às vezes duas num mesmo olho) e lançava desafios aos médicos presentes, aos adversários, vangloriando-se em estranho exibicionismo ou atacando com palavras violentas os seus detratores;
8) Arigó não procurava o amparo de instituições espíritas nem os conselhos de orientadores, parecendo dotado (ele e o Espírito do Dr. Fritz) de inaceitável autossuficiência, com desprezo por tudo quanto se havia feito até então no trabalho mediúnico. Tudo isso parecia indicar um caso de mistificação ou de perturbação por Espíritos arrogantes, mas os resultados positivos das operações e das receitas desmentiam essa hipótese.
A infração às regulamentações da prática regular da medicina igualmente causava controvérsia entre os espíritas. Alguns ainda ajuntavam que a operação espiritual bem poderia dispensar as incisões — especialmente feitas por instrumentos rústicos (como canivetes comuns) ainda por cima operadas em qualquer lugar (e não exclusivamente em um centro espírita) e sem nenhuma privacidade para os pacientes (aos olhos de todos, inclusive de curiosos).
Dos confrades espíritas que em seu tempo mais prestigiaram a obra do médium congonhense e o abraçaram sem censura, destacamos José Herculano Pires, Jorge Rizzini, Chico Xavier e Divaldo Franco.
José Arigó e Divaldo Franco
José Arigó e Divaldo Franco
Arigó foi visitado algumas vezes por Chico Xavier. Numa dessas visitas, registra-se uma psicografia do médium vindo de Uberaba, atribuída ao Espírito André Luiz, obtida em 23 de dezembro de 1952, numa sessão no Centro Espírita Jesus Nazareno (onde Arigó operava seus pacientes) mensagem aliás famosa pelo teor — embora intitulada “Mensagem de Natal” — traçando uma previsão para os futuros acontecimentos políticos do país para as décadas seguintes àquela ocasião.
Sabendo que o amigo sofria de sérios problemas visuais, Arigó teria se oferecido tratá-lo, mas a oferta foi recusada, segundo uma biografia de Chico Xavier: “
Na primeira edição do programa Pinga-Fogo, da antiga TV Tupi de São Paulo, Chico Xavier deu um afetuoso depoimento em favor de Arigó: ” “Conheci pessoalmente José Arigó durante três anos de convivência muito estreita, de 1954 a 1956. Sempre me pareceu um apóstolo legitimo da nossa causa espírita e, sobretudo, da mediunidade a serviço do bem, um pai de família exemplar, um amigo de todos os sofredores.”
Outro médium e amigo comum de Arigó e Chico, Waldo Vieira, deu testemunho das fantásticas capacidades mediúnicas produzidas pela parceria do congonhense com o Dr. Fritz.
Conta Waldo que certa vez, enquanto o médico invisível operava um paciente, uma mulher veio testar seu alemão e ele respondeu prontamente naquele idioma, a despeito de Arigó mal falar o português, consistindo assim mais uma evidência irrecusável do fenômeno mediúnico. Waldo diz também ter pressentido e alertado Arigó do perigo de ele abusar da velocidade ao volante, especialmente considerando a sinuosidade das estradas da região.
Morte e Legado
Morte e Legado
Zé Arigó faleceu justamente de um acidente automobilístico. Pouco dias antes, tivera um sonho prevendo para breve a sua passagem para o plano espiritual.
No dia 11 de janeiro de 1971, ele esteve na clínica, como de costume, mas avisou aos seus pacientes que teria que ir a uma cidade vizinha. Por volta do meio-dia, enquanto dirigia, teve um mal súbito, perdeu o controle e, passando à contramão, colidiu com um veículo que vinha em sentido contrário. Na violência do choque, perdeu a vida por traumatismo craniano, ainda por completar seus cinquenta anos de vida. Foi-se o médium e ficou um legado inestimável.
Uma de suas biógrafas, Leida Lúcia de Oliveira, que conviveu desde a infância e cresceu assistindo às sessões espirituais de Arigó, assim o descreve: Arigó era uma pessoa simples, um ser humano despojado de orgulho, pois jamais atribuiu a si a realização das curas realizadas, mas à generosidade do Pai Maior.
Ele esquivava-se dos bajuladores, e quando recebia elogios, transferia-os para os companheiros espirituais, dizendo serem eles os responsáveis pelas curas. E como espírito missionário, fora compelido a aceitar a tarefa que o Cristo lhe propôs.
Tinha um espírito grandioso, solidário e imbuído de extrema fraternidade para com todos aqueles que dele se aproximavam como última esperança. De seu coração irradiava um grande sentimento amoroso em favor não só dos doentes, mas também daqueles que o perseguiam, pois tinha uma capacidade incrível de perdoar.
É preciso deixar bem claro para o leitor, seja ele espírita, católico, protestante, livre-pensador, materialista ou de qualquer outra posição ideológica, que o caso Arigó não é religioso. Tem, naturalmente, o seu aspecto religioso, mas o seu ponto central, o seu interesse fundamental é o desafio que ele lança aos meios científicos.
Não se pode resolver o problema Arigó no quadro dos conflitos religiosos, onde, aliás, ele já se situou espontaneamente como espírita. Não se pode resolvê-lo também no quadro das disputas filosóficas. Mas no quadro das investigações científicas ele pode e deve ser resolvido.
Vários motivos se opõem a essa solução entre nós: os preconceitos culturais que afastam os homens de ciência das investigações dessa natureza; os preconceitos religiosos que criam barreiras ao interesse de alguns cientistas mais arejados, ameaçando-os surdamente com perigosas consequências sociais; a mentalidade estreita que preside às atividades de nossas incipientes organizações científicas e, naquelas em que há maior arejamento, a pobreza, a falta de recursos financeiros e técnicos para um empreendimento de vulto, como seria o exame aprofundado do caso Arigó.
Às vésperas do centenário de nascimento do médium de Congonhas, uma produção cinematográfica contando sua trajetória chegou a ficar pronta, mas sua estreia nos cinemas acabou sendo adiada em função da pandemia de covid-19.
O filme Predestinado – Arigó e o Espírito do Dr. Fritz, produzido em 2019 sob a direção de Gustavo Fernandez e estrelado por Danton Mello, teve então seu lançamento adiado para 1 setembro de 2022.
Fonte: Portal Luz Espírita
Livros de Gil DePaula
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