Imagine acordar e perceber que você está trancado dentro de uma caixa. E uma caixa que envolve você com tanta perfeição e é tão bem ajustada a seu corpo que ela prende seus lábios, lhe impedindo de falar, mesmo que possa perceber o que acontece ao seu redor.
Pessoas que estão no chamado estado vegetativo podem abrir e até mover os olhos. Podem sorrir, agarrar a mão de alguém, chorar, gemer e grunhir. Mas não conseguem reagir a um ruído repentino ou entender o que é dito à sua volta.
Elas parecem ter perdido suas memórias, suas emoções e suas intenções – todas as qualidades que fazem de cada um de nós um indivíduo. Ainda assim, de vez em quando nos perguntamos se elas não teriam mesmo um pouco de consciência do que está acontecendo.
Uma década atrás, a resposta seria um redondo “não”. Mas agora é diferente. Usando aparelhos de tomografia e ressonância magnética, o cientista Owen descobriu que algumas pessoas podem estar presas em seu próprio corpo mas conseguem pensar e sentir em intensidades variáveis.
Mentes aprisionadas, danificadas ou com capacidade diminuída habitam clínicas e asilos em todo o mundo. Só na Europa, estima-se que cerca de 230 mil pessoas entrem em coma a cada ano, das quais aproximadamente 30 mil ficarão em um permanente estado vegetativo. Elas representam um dos mais trágicos e caros casos da medicina intensiva moderna.
Esses pacientes apareceram pela primeira vez com a criação do respirador artificial, durante os anos 50, na Dinamarca. Foi uma invenção que redefiniu o conceito de morte, até então declarada quando o coração parava de bater e hoje decidida com base na paralisação das atividades cerebrais.
Nos anos 60, o neurologista americano Fred Plum e o neurocirurgião escocês Bryan Jennett realizaram um trabalho pioneiro na compreensão e classificação dos distúrbios de consciência. Plum cunhou o termo “síndrome do encarceramento” para definir o estado no qual o paciente está desperto e consciente, mas não pode se mexer nem falar.
Os dois cientistas adotaram a classificação “estado vegetativo permanente” para os pacientes que, segundo eles, “alternam períodos de despertar, quando seus olhos abrem e se movem, mas têm respostas limitadas a movimentos de reflexo e nunca conseguem falar”.
Tomografia reveladora
Tomografia reveladora
Em 1997, a professora britânica Kate Bainbridge, então com 26 anos, entrou em coma e permaneceu em estado vegetativo após contrair uma infecção. Ela se tornou a primeira paciente a ser estudada pelo Centro de Imagens Cerebrais da Universidade de Cambridge, onde Adrian Owen trabalhava.
Os resultados dos estudos, publicados um ano depois, foram inesperados e extraordinários. Kate não só reagia ao ver rostos conhecidos como também as respostas de seu cérebro eram semelhantes àquelas de voluntários saudáveis.
Ela se tornou a primeira pessoa na qual exames sofisticados, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês), revelaram uma “cognição oculta”.
As conclusões foram importantíssimas para a ciência, mas também para Kate e seus pais. “A existência de um processamento cognitivo preservado removeu o niilismo que permeava o cuidado desses pacientes, e apoiou a decisão de continuar um tratamento intensivo com Kate”, lembra David Menon, pesquisador naquela unidade da Universidade de Cambridge e médico que supervisionou o caso de Kate.
Seis meses depois do primeiro diagnóstico, Kate despertou do estado vegetativo. Sua recuperação foi gradual. Só 12 anos depois conseguiu voltar a falar, e ainda precisa de cadeira de rodas. “Eu não respondia e parecia não ter saída, mas foram as tomografias que mostraram que eu ainda estava ali”, conta.
Lendo a mente aprisionada
Lendo a mente aprisionada
Em um campus ao sul de Liège, na Bélgica, Steven Laureys estuda há décadas pacientes em estado vegetativo. Nos anos 90, tomografias PET mostraram que seus pacientes respondiam ao ouvirem seus próprios nomes: havia uma mudança no fluxo de sangue dentro da região cerebral responsável pela audição.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Nicholas Schiff descobria que alguns pacientes com lesões cerebrais catastróficas mantinham pequenas regiões de atividade neural.
Em 2006, Owen e Laureys tentavam encontrar uma maneira de se comunicar com pacientes em estado vegetativo. Uma destas era Gillian [seu nome verdadeiro foi trocado a pedido], de 23 anos, atropelada por dois carros ao atravessar a rua falando no celular.
Cinco meses depois, um estranho acaso permitiu que Gillian destrancasse a caixa em que vivia. A chave surgiu de um estudo sistemático que os dois cientistas desenvolveram um ano antes. Eles pediram para voluntários saudáveis se imaginarem jogando tênis. Em seguida, deviam imaginar que estavam caminhando pelos vários aposentos de suas casas.
A visualização de um jogo de tênis ativa uma parte do córtex responsável pela estimulação mental de movimentos, a área motor suplementar. Mas imaginar caminhar pela casa ativa o giro parahipocampal, que fica no centro do cérebro, além do lobo parietal posterior e o córtex premotor lateral.
São modelos de atividades completamente opostos, como se jogar tênis fosse um “sim” e andar pela casa fosse um “não”.
Observando o cérebro de Gillian com o tomógrafo, Owen pediu que ela se imaginasse nas mesmas situações – e viu uma incrível semelhança entre os padrões de ativação que notou nos voluntários. Foi um momento eletrizante. Owen podia “ler” a mente de Gillian.
Diagnósticos mais baratos
Diagnósticos mais baratos
O caso de Gillian foi publicado na revista científica Science em 2006 e ganhou as manchetes em todo o mundo. Mas atraiu uma boa quantidade de ceticismo por parte de cientistas que gostariam de ver mais evidências.
Em 2010, Owen, Laureys e outros colegas publicaram um estudo com 54 pacientes diagnosticados em estado vegetativo ou minimamente conscientes. Cinco responderam da mesma maneira que Gillian.
Os cientistas admitiram que as áreas cerebrais que eles estudaram podem ser ativadas com outros estímulos. Mas afirmaram que “as ativações persistiam por tempo demais para significar outra coisa senão intenção”.
Desde o artigo de 2006, estudos feitos na Bélgica, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e no Canadá sugerem que uma parcela significativa dos pacientes classificados como vegetativos nos últimos anos receberam um diagnóstico errado – segundo Owen, 20% deles. Já Schiff acredita que 40% desses pacientes, quando examinados com mais atenção, mostram estar parcialmente conscientes.
Schiff acredita que após o primeiro diagnóstico, pouco esforço é feito no sentido de explorar a função cerebral desses pacientes de maneira mais sistemática. Alguns cientistas estão desenvolvendo leituras com equipamentos mais baratos e mais portáteis do que o pesado maquinário de tomografia e ressonância magnética. Uma promessa é o eletroencefalograma que está sendo testado por Owen.
Schiff acredita que uma combinação de aparelhos, medicamentos e terapias celulares poderá servir de base para uma nova geração de diagnósticos e tratamentos, iluminando a penumbra entre o consciente e o inconsciente.
Muitos dos trabalhos realizados até hoje demonstraram a importância das imagens cerebrais para esses pacientes, com alguns deles sendo até capazes de dizer a seus médicos se precisam ou não de analgésicos.
Fonte: BBC
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