Por Gil DePaula

Durante anos, evitei escrever sistematicamente sobre o racismo. Como homem negro, temi que minhas palavras fossem lidas com o véu do ressentimento ou da autopiedade. Mas há dores que se calam demais, e há tempos em que o silêncio já não é mais uma opção — sobretudo quando as feridas sociais se misturam à nossa história, ao nosso corpo, à nossa alma.
É verdade que o Brasil tem mudado. Vemos hoje apresentadores, jornalistas e personagens negros ocupando espaço nas novelas e nos telejornais, algo que parecia improvável até poucas décadas atrás. Essa presença, ainda que tardia, é um avanço importante. Mas sejamos francos: representatividade não é favor, é reparação. E não basta ser incluído na tela — é preciso ser incluído com dignidade, protagonismo e autenticidade, e não apenas como coadjuvante da branquitude, ou como reforço de estereótipos.
Aos poucos, vemos também surgir um movimento coletivo mais consciente, que denuncia o racismo onde ele se esconde: nas sutilezas do mercado de trabalho, nas abordagens policiais, na escolha das amizades, na exclusão silenciosa dos espaços de poder. O preconceito brasileiro não se veste de capuz, mas se esconde sob o manto da hipocrisia. Finge ser piada, meritocracia, “opinião pessoal”. É o racismo cordial, que sorri enquanto exclui.
Basta olharmos para o futebol, o “esporte do povo”. Ainda hoje, atletas negros são vaiados com sons de macaco em estádios europeus e até brasileiros. Isso quando não são alvos de ataques nas redes sociais por expressarem orgulho de sua cor ou origem. A verdade é que o racismo no futebol revela o que muitos tentam esconder: uma sociedade ainda adoecida moralmente, que rejeita ver o negro como símbolo de vitória, beleza, liderança.
Essa doença — porque o racismo é isso, uma enfermidade do espírito — tem raízes históricas profundas. São séculos de escravidão, exclusão e inferiorização. Mesmo após a abolição, o negro foi “libertado” sem casa, sem terra, sem escola. E por muito tempo, também sem voz. O resultado é uma estrutura que empurra a população negra para as bordas da sociedade: nas favelas, nos subempregos, nas estatísticas de violência.
E como não falar da herança silenciosa que isso deixa em nossas crianças? Quando uma menina negra só vê princesas brancas nos livros ou na TV, que referência ela tem de si? Quando um garoto negro vê que os heróis, os líderes, os donos de empresa, os bem-sucedidos quase sempre têm a pele clara, o que ele aprende sobre seu próprio valor? O racismo, antes de tudo, é um veneno que contamina a autoestima.
Mas há um ponto que não podemos ignorar: grande parte dos que discriminam se dizem cristãos. Falam de Deus, de amor ao próximo, de fé. No entanto, o Cristo que afirmam seguir — aquele que tocava leprosos, que acolhia prostitutas e que jamais julgou pela aparência — não reconheceria nos preconceituosos seus discípulos. Esses são cristãos de verniz, de aparência, incapazes de compreender que o verdadeiro espiritualismo não admite qualquer forma de exclusão.
Por isso, combater o racismo não é só um ato político, é um dever moral. É espiritual, humano e urgente. Não se trata apenas de “aceitar o negro”, mas de reconhecer que somos parte da mesma humanidade, com o mesmo sopro divino. Somos iguais em essência, ainda que diferentes na história.
O Brasil está mudando, sim. Mas mudar não é apenas colocar negros na TV ou fazer campanhas publicitárias bonitas. Mudar é transformar mentalidades, é dar acesso real à educação, ao poder, à voz. É não permitir mais que a cor da pele defina o futuro de ninguém.
Que os ventos que hoje começam a soprar — ainda que tímidos — se tornem tempestades de justiça. Porque a dor do racismo precisa, enfim, ser curada. E só a verdade, o amor e a ação coletiva podem realizar essa cura.
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Terras dos Homens Perdidos – Gil DePaula (2017)
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Terras dos Homens Perdidos, de Gil DePaula, é uma ficção histórica que explora a fundação de Brasília e o impacto da construção da nova capital na vida de brasileiros comuns. A narrativa é ambientada entre 1939 e 1960 e segue o drama de Maria Odete, uma mulher forte e resiliente, que relembra seu passado de desafios e desilusões enquanto enfrenta as dores do parto. Sua trajetória é entrelaçada com a história de dois fazendeiros rivais e orgulhosos, ambos chamados Antônio, que lutam pelo poder em meio a uma teia de vingança, traição e tragédias pessoais.
A obra destaca o cenário do interior brasileiro e a saga dos trabalhadores que ergueram Brasília com suor e sacrifício. Gil DePaula usa seu estilo detalhista para pintar um retrato das complexas interações humanas e sociais da época, onde paixões e rivalidades moldam o destino de seus personagens e refletem as transformações de uma nação. A obra combina realismo com uma narrativa de intensa carga emocional, capturando tanto a grandeza da construção da capital quanto as pequenas tragédias pessoais que marcaram sua fundação.
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