Por Gil DePaula
Recentemente, recebi de um amigo um texto em que ele expressava indignação com aqueles que ainda defendem Jair Bolsonaro. Em sua visão, só o fariam por ignorância, por interesses corporativos – como no caso dos militares – ou por egoísmo de classe, no caso dos ricos que desejam manter distância dos pobres. Finalizava com uma afirmação categórica: a tentativa de golpe seria inquestionável, e os movimentos de fuga da família Bolsonaro não foram sequer discretos.
É compreensível que muitas pessoas estejam dominadas por sentimentos extremos. Vivemos uma era de paixões políticas inflamadas e pouca disposição para o diálogo. Porém, não é com mais combustível que se apaga um incêndio.
Por isso, compartilho aqui uma reflexão que não se alinha nem ao bolsonarismo nem ao lulismo. Meu compromisso é com a análise crítica e isenta. Aliás, não consigo entender como ainda há quem defenda Lula com fervor, da mesma forma que meu amigo não entende quem defende Bolsonaro. Há, nos dois casos, uma cegueira voluntária, uma recusa em ver o todo.
Lula não é, e nunca foi, o herói dos pobres. Essa imagem foi construída com habilidade retórica e marketing emocional, mas a realidade foi bem mais dura. O Brasil dos governos petistas, apesar de avanços pontuais em algumas políticas sociais, manteve a base da desigualdade intocada. O pobre continuou pobre. O ignorante continuou ignorado. Houve distribuição de benefícios, mas não de cidadania.
Mais do que isso: houve o aparelhamento das instituições, a cooptação de setores da mídia, o loteamento de cargos públicos, a corrupção sistêmica. A esquerda institucional brasileira aprendeu a operar dentro da máquina com a mesma ganância dos que criticava. E muitos que hoje empunham a bandeira da justiça preferem esquecer esse passado recente.
Já Bolsonaro representa outro tipo de erro. Com sua arrogância, intolerância e discurso hostil, dividiu ainda mais um país já fragmentado. Seu desprezo pela liturgia do cargo e sua inabilidade política tornaram-se combustível para a demonização da direita como um todo. Seus preconceitos, declarações desastrosas e alianças equivocadas não podem ser ignorados. Mas sua responsabilidade por tudo de ruim que aconteceu no país não pode ser inflada ao ponto de absolver todos os demais atores políticos, inclusive aqueles que hoje o julgam.
O que me espanta, nesse cenário, é a seletividade da indignação. Para muitos, Lula foi julgado e preso injustamente, enquanto Bolsonaro deve ser condenado antes mesmo do processo terminar. Para outros, Bolsonaro é o messias traído, e Lula, o demônio encarnado. Ambos os lados agem como torcidas organizadas, e não como cidadãos conscientes de que o Estado democrático de direito exige equilíbrio, responsabilidade e obediência irrestrita à Lei – não importa quem esteja no banco dos réus.
A Justiça, para ser Justiça, deve ser cega para as ideologias e atenta apenas aos fatos e à Constituição. Quando o Supremo Tribunal Federal ultrapassa seus limites e legisla em lugar do Congresso, quando interfere nas liberdades individuais em nome de um suposto bem maior, está corroendo justamente aquilo que deveria proteger. Do mesmo modo, quando um presidente flerta com o autoritarismo e tenta minar as instituições, também está agindo contra a República.
O que me preocupa, acima de tudo, é a normalização dessa balança torta. A ideia de que o fim justifica os meios, de que se pode rasgar a Constituição para derrotar um inimigo político, é perigosamente sedutora. Ela abre caminho para regimes de exceção disfarçados de democracia.
Não acredito em salvadores da pátria. Não deposito fé cega em políticos. Acredito, sim, na necessidade de vigilância constante da sociedade sobre os poderosos – de todos os matizes ideológicos. A corrupção, o populismo, o abuso de autoridade, o desprezo pela legalidade e a manipulação das massas não são exclusividades de direita ou de esquerda. São doenças do poder. E, como tais, devem ser tratadas com o remédio da lucidez.
Precisamos romper com essa lógica binária, infantil e beligerante. Precisamos entender que criticar um lado não implica automaticamente apoiar o outro. Que defender o cumprimento da Lei não é sinônimo de conivência, mas de civilidade. E que a maturidade política exige mais do que slogans: exige coragem para pensar com a própria cabeça, mesmo quando isso nos isola do coro da maioria.
Por fim, deixo um apelo: que sejamos menos míopes e menos cegos. Que enxerguemos, com honestidade, as falhas dos líderes que admiramos e as virtudes dos que rejeitamos. Que cobremos responsabilidade de todos os poderes. E que nunca vendamos a soberania da verdade por lealdade partidária.
Só assim, talvez, possamos recomeçar – não como massa de manobra, mas como cidadãos.
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