Por Gil DePaula
Na última semana, recebi de vários amigos, um texto intitulado “Esse país está muito chato”. A pessoa que o escreve começa dizendo que ao longo dos seus 62 anos, viu uma negra ser âncora de um programa televisivo e um negro fazer parte de uma trupe de humoristas pioneiros na televisão, e mais tarde, outro negro fazer parte de outro programa humorístico.
Assim que comecei a ler essas primeiras considerações, me perguntei se por trás delas havia alguma ironia, burrice explicita ou a clara intenção de minimizar um problema, que somente quem é negro é capaz de mensurar em toda sua extensão.
Num país, que a maioria esmagadora de seu povo sempre foi negra, termos ao longo da história da televisão, apenas dois humoristas de destaque e uma apresentadora, não me parece grande coisa, e com certeza não o é. Antes, me parece ser a clara afirmação do preconceito institucionalizado.
Antes que alguém por inocência ou por vilania, diga que não havia atores negros, quero lembrar que centenas de negros ao longo da história da televisão participaram de novelas, filmes e programas. Entretanto, sempre na condição de subalternos. Os papeis que lhes davam: empregados domésticos, malandros, bandidos, motoristas e por aí foi.
O “favor”, a “concessão”, que fizeram ao deixar três atores negros se destacarem ao longo dos 71 anos da existência da TV brasileira, é antes de tudo vergonhoso, sem mérito e desprovido de honestidade intelectual e humana, ou seja, uma verdadeira aberração.
Em outra parte do referido texto, a pessoa afirma: “Eu cresci entendendo que preconceitos significam estupidez, pois toda a minha formação se deu com bons exemplos de representantes, de todas as classes, em um país que normalizou a presença de todos em programas de televisão, onde tudo era discutido sem qualquer pudor”.
Esse trecho, traz, maquiavelicamente, a manipulação implícita de fatos, que podem passar a descoberto pelos menos avisados, pois ele parte de uma premissa verdadeira (preconceitos significam estupidez), para uma totalmente falsa, afirmada sem pudores: “em um país que normalizou a presença de todos em programas de televisão, onde tudo era discutido sem qualquer pudor”. Uma grande mentira, pois apenas, recentemente, o número de negros nas novelas de televisão vem aumentando e, hoje, apenas uma mulher negra está à frente de um programa de destaque (Jornal Hoje).
Outra balela que o trecho traz é a afirmação de que tudo na televisão era discutido sem pudores. Outra mentira vergonhosa! A televisão nunca deu voz a classe negra. A televisão nunca permitiu se quer, que existisse um programa conduzido por pessoas negras, que pudessem levar à tona os verdadeiros problemas que os negros enfrentam diariamente.
No mesmo texto, o escritor dele, faz referências a gays, gordos, travestis, anões. Eu acho até legal que ele se lembre dessas pessoas. Somente quero lembrar, que elas sempre foram objeto de discriminação e piadas chulas, o que nunca aconteceu com o branco considerado o padrão correto físico aceito por seus pares.
Antes de concluir o texto dele, a pessoa afirma: “Cresci entendendo de verdade o que era liberdade de expressão”. Aqui, ele confunde liberdade de expressão, com um tocar o foda-se, e nos exprimirmos do jeito que quisermos. Liberdade de expressão é antes de tudo responsabilidade. É saber fazer o uso dela para avançarmos em todos os sentidos, principalmente, no respeito para com todos, ao limitarmos as nossas atitudes, palavras e ações.
Uma coisa tenho que concordar com ele: realmente existe muito mimimi. Existe o mimimi da pessoa que por qualquer coisa se faz de vítima. Existe o mimimi da pessoa que se aproveita de quem está fazendo mimimi para fazer mimimi em cima do mimimi da outra, e por aí se segue.
Tomara, que um dia não tenhamos uma geração chata como afirma o autor do texto. Mas, espero muito mais, que não tenhamos gerações de preconceituosos, gerações de políticos ladrões, gerações de homens que não respeitam as mulheres e outras mais.
Espero, que as próximas gerações, sejam de pessoas irmanadas no respeito e amor para com todos.
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