Por Gil DePaula
A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro vem gerando intensos debates jurídicos e políticos, especialmente em relação ao seu papel e à amplitude de suas decisões. Renomados juristas estão de acordo que, há muito, o órgão ultrapassou os seus limites.
Para uma análise à luz da Constituição Federal de 1988 e dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito, vamos observar os seguintes pontos:
Separação dos Poderes e Atribuições do STF
O artigo 2º da Constituição Federal estabelece o princípio da separação dos poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si.
O STF é o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, responsável por:
- Guardar a Constituição (art. 102, CF/88);
- Julgar ações de controle de constitucionalidade (como ADIs e ADPFs);
- Processar e julgar, originariamente, autoridades específicas (como Presidente da República, Ministros de Estado etc.).
Entretanto, o STF, em situações recentes, tem assumido papéis que, na visão de alguns juristas, invadem competências do Legislativo ou do Executivo, bem como funções de acusador e investigador, afrontando o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV). Isso acontece, sobretudo, em casos de processos penais atípicos ou de investigações como o Inquérito das Fake News.
O Inquérito das Fake News (Inquérito 4781)
O inquérito em questão foi instaurado pelo próprio STF, sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, com base no Regimento Interno do STF (art. 43). A decisão, no entanto, trouxe críticas ao Tribunal, pois:
- O STF atuou como vítima, investigador, acusador e julgador.
- Juristas questionam se o STF extrapolou sua competência constitucional, uma vez que, tradicionalmente, o Judiciário só atua quando provocado.
- Foi acusado de ferir o sistema acusatório, previsto no art. 129, I, CF/88, onde cabe ao Ministério Público exercer o papel de acusador.
Pontos críticos
- A ausência de limites temporais no inquérito, levando a investigações consideradas “intermináveis”.
- Violações de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão (art. 5º, IX) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII).
Tentando se justificar, o Tribunal defende que o inquérito visa proteger a democracia e as instituições, diante de ataques, campanhas de desinformação e ameaças às instituições democráticas. Porém, é necessário que o STF respeite os seguintes princípios constitucionais, o que, em algumas situações, não vem acontecendo:
- Devido Processo Legal: Art. 5º, LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
- Contraditório e Ampla Defesa: Art. 5º, LV – garante o direito à defesa em qualquer processo judicial ou administrativo.
- Imparcialidade: Decorre do papel típico do Judiciário como órgão que julga, mas não investiga ou acusa.
Ao acumular funções próprias do Poder Executivo ou do Ministério Público, o STF viola a estrutura acusatória do processo penal brasileiro.
Judicialização da Política e o Ativismo Judicial
Nos últimos anos, houve um fenômeno crescente de judicialização da política no Brasil. Isso ocorre porque o STF foi e é chamado a decidir questões que deveriam ser resolvidas no âmbito do Legislativo ou do Executivo, expandindo o ativismo judicial. Tal fenômeno leva o Judiciário a tomar decisões baseadas em interpretações amplas da Constituição e cria a percepção de que o STF interfere demasiadamente em questões políticas ou de competência de outros poderes.
A defesa da democracia e das instituições é essencial. No entanto, é preciso assegurar que as medidas adotadas pelo STF respeitem os direitos e garantias fundamentais, protegidos no artigo 5º da CF/88.
Lembrando que toda medida excepcional deve observar o princípio da proporcionalidade e ser temporária. A liberdade de expressão, embora não seja um direito absoluto, deve ser restringida apenas em casos estritamente necessários, sob pena de censura.
O Papel do Congresso Nacional
O debate jurídico sobre os recentes atos do STF revela tensões institucionais que exigem cautela e equilíbrio. Embora o Tribunal tenha a missão de proteger a democracia e a Constituição, é fundamental que suas ações observem os seguintes parâmetros:
- Respeito ao devido processo legal e ao sistema acusatório;
- Atuação nos limites da separação dos poderes;
- Observância dos direitos fundamentais;
- Diálogo entre os poderes para evitar crises institucionais.
O Congresso possui mecanismos de controle e equilíbrio em relação ao STF. Caso o Tribunal adote um papel considerado ativista, interferindo em questões políticas ou legislativas, o Congresso pode criar leis mais claras para limitar a interpretação judicial, fortalecendo a autoridade do Legislativo para definir políticas públicas.
O Congresso, portanto, atua como um contraponto ao STF, garantindo que a Suprema Corte respeite os limites constitucionais e mantenha seu papel de guardião da Constituição, sem invadir as competências do Legislativo.
Além disso, o Congresso pode aprovar emendas à Constituição (art. 60, CF/88) para modificar aspectos constitucionais que estejam sendo interpretados de forma polêmica pelo STF. Por exemplo, se uma decisão do STF for considerada excessiva ou inadequada, o Congresso pode alterar a Constituição para dar clareza ou impor limites a interpretações futuras.
Todavia, é necessário que os componentes do Congresso (principalmente o Senado Federal) se imbuam de honestidade e coragem para que seja feito o que deles esperamos.
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