Ensaio Sobre a Morte

Por Gil DePaula

Ensaio-Sobre-a-Morte-1024x683 Ensaio Sobre a Morte

Na mitologia grega, Tânato era a personificação da morte. Filho de Nix, a Noite eterna, concebido sem auxílio de nenhum outro deus, ele trazia em si a frieza e o mistério do fim. Irmão gêmeo de Hipnos, o Sono, Tânato representava o corte abrupto da vida e, por isso, era temido tanto pelos homens quanto pelos próprios deuses. Hesíodo o coloca como habitante do Tártaro, diante das portas do Inferno, sempre à espreita, pronto a cumprir o destino inevitável. A tradição poética ainda lhe atribui um dia preferido para tomar vidas: 21 de agosto, um símbolo do arbitrário poder do fim.

Já na tradição judaico-cristã, a morte surge como consequência direta da desobediência. Adão e Eva, ao comerem do fruto da árvore do bem e do mal, teriam herdado não apenas a morte moral, mas também a física — a separação da alma e do corpo, seguida da inexorável deterioração da matéria: “és pó e ao pó tornarás” (Gn 3,19). Assim, a morte não é apenas biológica, mas também castigo, lembrança da fragilidade humana diante de Deus.

Ao longo da história, diferentes culturas formularam explicações sobre o que nos espera depois do último suspiro. Algumas afirmam que haverá um julgamento final, em que o homem ressuscitará do pó e será avaliado por suas obras. Outras defendem que os justos habitarão o Paraíso. Para certas tradições orientais, a alma desprende-se do corpo e prossegue sua jornada em um ciclo de reencarnações, até atingir a libertação. O consenso sobre a origem da morte se desfaz diante da multiplicidade de interpretações sobre o que vem depois dela.

Mas conjecturas à parte, há um dado irrefutável: o temor da morte atravessa quase toda a humanidade. Mesmo os que afirmam crer profundamente em uma vida futura estremecem diante da ideia do instante final, quando os olhos se fecham e o corpo, outrora cheio de vigor, torna-se frio, rígido, matéria devolvida à terra.

Não por acaso, a literatura fez da morte um de seus temas prediletos. Escritores a retrataram de formas trágicas, poéticas, até irônicas. Érico Verissimo, em Incidente em Antares, e José Saramago, em As Intermitências da Morte, ousaram imaginar o que aconteceria se a morte simplesmente tirasse férias. O resultado é paradoxal: sem ela, instala-se o caos. A ausência do fim, longe de trazer alívio, torna a vida insuportável, como se fosse a própria morte que dá sentido ao viver.

Na vida concreta, entretanto, a morte é quase sempre dor. Quando um ente querido parte, os rituais de despedida — o velório, o enterro, a missa de sétimo dia — funcionam como pontes frágeis entre o mundo dos vivos e o mistério do além. São momentos de lágrimas, de silêncio pesado, de lembranças que se tornam relíquias. Pais que perdem filhos carregam feridas que não cicatrizam; mortes violentas revoltam pela injustiça; acidentes fatais escancaram a vulnerabilidade de nossa existência.

E, ainda assim, o Tempo, soberano de todas as coisas, suaviza a intensidade da dor. Não elimina a saudade, mas a transfigura. O que era lamento incessante torna-se lembrança serena, às vezes até sorriso nostálgico. O tempo nos ensina que a ausência pode ser habitada pela memória.

Heidegger, filósofo existencialista, dizia que o homem é um ser-para-a-morte: viver é estar constantemente projetado em direção ao fim. Essa consciência não deve ser paralisante, mas libertadora. É ela que nos lembra da preciosidade de cada instante, da urgência de amar, criar, perdoar, ousar.

Talvez seja esse o papel secreto da morte: ao nos esperar, silenciosa, ela nos convida a viver com mais intensidade. A cada segundo que passa, Tânato nos observa, paciente. Não como inimigo, mas como guardião do limite que dá forma à vida. No dia em que nos levar, encontraremos aqueles que partiram antes de nós — e, até lá, o que nos cabe é aprender a conviver com a sua sombra, transformando medo em sabedoria, dor em compaixão, e finitude em sentido.

Texto originalmente publicado em 07/2017.

Conheça outras publicações do portal

Livros de Gil DePaula

www.clubedeautores.com.br — www.editoraviseu.com.br — gildepaulla@gmail.com

Chamada-1024x683-1 Ensaio Sobre a Morte

Terras dos Homens Perdidos – Gil DePaula (2017)

https://clubedeautores.com.br/livro/terras-dos-homens-perdidos

TDHP-1-1024x585 Ensaio Sobre a Morte

Terras dos Homens Perdidos, de Gil DePaula, é uma ficção histórica que explora a fundação de Brasília e o impacto da construção da nova capital na vida de brasileiros comuns. A narrativa é ambientada entre 1939 e 1960 e segue o drama de Maria Odete, uma mulher forte e resiliente, que relembra seu passado de desafios e desilusões enquanto enfrenta as dores do parto. Sua trajetória é entrelaçada com a história de dois fazendeiros rivais e orgulhosos, ambos chamados Antônio, que lutam pelo poder em meio a uma teia de vingança, traição e tragédias pessoais.

A obra destaca o cenário do interior brasileiro e a saga dos trabalhadores que ergueram Brasília com suor e sacrifício. Gil DePaula usa seu estilo detalhista para pintar um retrato das complexas interações humanas e sociais da época, onde paixões e rivalidades moldam o destino de seus personagens e refletem as transformações de uma nação. A obra combina realismo com uma narrativa de intensa carga emocional, capturando tanto a grandeza da construção da capital quanto as pequenas tragédias pessoais que marcaram sua fundação​.

Para saber mais sobre o livro ou adquirir uma cópia, você pode encontrá-lo em sites como o Clube de Autores ou por meio do e-mail:

gildepaulla@gmail.com

O Baú das Histórias Inusitadas

https://clubedeautores.com.br/livro/o-bau-das-historias-inusitadas-2

O-Bau-das-Historias-Inusitadas-1024x683 Ensaio Sobre a Morte

Abra o baú, tire a tampa da imaginação e prepare-se para um banquete literário!

Nessa coletânea de 18 contos temperados com pitadas de ficção científica, goles de aventura, colheradas generosas de ironia e uma lasquinha de romance, o que você encontra é um cardápio para o espírito — daqueles que alimentam o riso, o susto e a reflexão.

Cada história é uma cápsula do inesperado: ora te joga no passado, ora no futuro, ora te deixa rindo de nervoso. Ideal para quem lê aos goles ou engole de uma vez.

“O Baú das Histórias Inusitadas” é leitura para todos os gostos — principalmente – – para quem gosta de se surpreender.

2 Comentários

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: