O Estranho Notebook de Severino Riso Fácil

Por Gil DePaula

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Severino Gomes, mais conhecido como Severino Riso Fácil, era um humorista de stand-up fracassado. Passava várias noites em teatros pequenos e sujos, bem como em bares lotados de gente bêbada e desinteressada, tentando arrancar risadas. Por várias vezes, ele teve que se desviar de objetos arremessados pelo público. A vida não estava fácil para ele. As dívidas e os boletos acumulavam-se como as piadas ruins de seu repertório. Todavia, sua horrorosa trajetória de dez anos como humorista estava prestes a mudar, mesmo que nem ele acreditasse que isso fosse possível.

Numa noite, ao sair de mais uma apresentação desastrosa, em busca de seu carro — que estava em um beco atrás do bar —, um garoto, aparentando ter entre oito e dez anos, o abordou e, estendendo as mãos, onde se encontrava um velho notebook cinza-escuro, disse:

— Ele me pediu para entregá-lo a você.

— Ele quem? — perguntou Riso Fácil, estranhando.

— Ora! Ele… o notebook.

Instintivamente, Severino apanhou o objeto, enquanto o garoto desaparecia nas sombras da noite.

No outro dia, após se despedir da esposa, que saía para o trabalho, Severo (é assim que ela o chamava) resolveu examinar o notebook. Era um modelo antigo, de uma marca que ele não conhecia: “Twilight”. Como não falava inglês, prometeu a si mesmo descobrir o significado daquela palavra em português. Ao ligá-lo, em vez da tela normal de inicialização, apareceu uma mensagem peculiar:

“Conecte um microfone e fale o que deseja.”

Acostumado a não dar voz a absurdos, ele riu, divertido, mas foi buscar o microfone do filho. Após conectá-lo, disse:

— Tá bom, quero um público que ria das minhas piadas e desejo ser famoso e rico.

De repente, seu celular começou a vibrar. Notificações explodiam: vídeos antigos dele viralizavam, ingressos para seus shows — que ele nem sabia que havia marcado — esgotavam, convites para programas de TV choviam e os amigos lhe parabenizavam. Atônito, Severo percebeu que havia encontrado uma mina de ouro, a solução definitiva para sua carreira e para sua vida.

— Isso é incrível… E se eu pedir algo mais? — disse, coçando o queixo.

Testando os limites do milagre, pediu um especial de comédia na Netflix. Cinco minutos depois, recebeu uma chamada de uma pessoa que se dizia diretora do streaming. No dia seguinte, seu nome estava em destaque na plataforma. Empolgado, resolveu ousar:

— Quero que o Luciano Huck me convide para o programa dele e diga que minhas piadas são “loucura, loucura!”, ao vivo!

E assim aconteceu. Huck, em rede nacional, bradou:

— Loucura! Loucura! Esse cara é uma fera! Severino Riso Fácil, o maior comediante de stand-up do Brasil!

Severino mal acreditava que aquele velho notebook estava mudando sua vida. Aquilo era uma dádiva, e ele iria aproveitar para resolver todos os seus problemas. Lembrou-se, então, de que Juninho, seu filho de onze anos, era alvo constante de bullying na escola por alguns colegas, principalmente por um tal de Marcinho, cujo pai era policial militar. Em uma das vezes que tentou tirar satisfação com o garoto, acabou sendo ameaçado e intimidado pelo pai. Era chegada a hora da revanche!

O tenente Almeida estava na Polícia Militar de Brasília havia exatamente vinte e três anos — período que completava naquele dia, que ele acabaria por classificar como o mais estranho de sua vida. Ao acordar logo pela manhã e ao tentar falar com a esposa, gaguejou. Mas não foi simplesmente uma gagueira de quem atropela as palavras: sua língua parecia presa, sua voz não saía na velocidade de costume e, por mais que tentasse falar normalmente, não conseguia. A cada palavra, sua voz tremelicava. E quanto mais falava, mais se desesperava e mais aumentava a gagueira.

Contudo, o desespero tomou conta dele quando Juninho, seu amado filho, levantou também gaguejando e apresentando um tique nervoso, que o fazia dar viradas bruscas para o lado direito, em direção ao próprio ombro. A partir de então, a família começou um périplo em busca de médicos, psicólogos, psicanalistas e pais de santo, sem nenhum resultado.

Quando mais jovem, Riso Fácil teve uma namorada por quem foi profundamente apaixonado: Jeciara, cujo nome não fazia justiça à beleza dela, tanto indo quanto vindo. A moça, muito inteligente, percebeu que daquele mato não sairia coelho — ou seja, que nada deveria esperar de alguém que queria ser humorista sem, entretanto, ter graça nenhuma. Mas, por obra e pilhéria do destino, acabou se apaixonando por outro humorista, que, por sinal, era o grande desafeto do nosso quase palhaço.

Aquele amor não correspondido, por diversas vezes, povoou os piores sentimentos de Severino, principalmente quando Jeciara se casou com Renatinho Borboleta, que, aliás, fazia um sucesso estrondoso no mundo do stand-up. Riso Fácil lembrou-se de que o apelido de Borboleta se devia às grandes orelhas de Renatinho e decidiu, com a anuência do notebook, que elas teriam sete vezes o tamanho atual.

E assim, num crescendo, a ambição de Severo foi às alturas. Ele, desse modo, pediu ao notebook para fazer o maior show de stand-up do mundo, onde as pessoas não parassem de rir.

Dez mil, duzentas e trinta e sete pessoas lotaram o Ginásio Nilson Nelson para ver e se divertirem com o maior comediante de stand-up brasileiro da atualidade: Severino Riso Fácil, que agora fazia justiça ao apelido. A cada piada contada pelo humorista, os espectadores gargalhavam desbragadamente. O repertório do humorista parecia não ter fim. Jovens, pessoas maduras, idosos se deleitavam com a performance dele. E o interessante foi que, em nenhum momento, ele se utilizou de palavrões, como se tornou comum nos dias de hoje pelos humoristas.

Mas o melhor, Severo havia reservado para o final: a anedota que depois seria classificada pela imprensa como “a piada mortal”. Mal Riso Fácil começou a contá-la, a plateia explodiu em gargalhadas que se tornaram tão intensas a ponto de prejudicar a apresentação do humorista. Imaginem — se são capazes — mais de dez mil pessoas em gargalhadas descontroladas. Vários se atirando ao chão, pois, de tanto rir, não conseguiam manter-se de pé. E o tumulto se generalizou. Centenas de pessoas desesperadas e sem entender o que estava acontecendo procuravam sair do ginásio. Dezenas dos que rolavam no chão de tanto gaitar acabavam pisoteados, mas não paravam de rir.

O tumulto somente terminou quando Severino correu ao seu camarim e, desesperadamente, pediu ao notebook que fizesse as pessoas voltarem ao normal.

No dia seguinte, a contabilidade foi desastrosa: trezentas e treze pessoas morreram de tanto rir, e outras duas pisoteadas. Dezenas ficaram feridas. A investigação sobre o ocorrido foi iniciada pela polícia. A imprensa aproveitou-se do acontecimento ao máximo.

Severino se desespera pelo sentimento de culpa. O que fazer? Pergunta-se. Se pedir para tudo voltar ao normal, será como se nunca tivesse feito sucesso. Se pedir para o notebook desaparecer, os efeitos das mudanças podem ser permanentes. Não! Ele não abrirá mão do instrumento que, até então — até o trágico acontecimento —, resolvera todos os seus problemas. E, como uma bênção, a solução apresentou-se à sua mente: simplesmente pediria ao computador que fizesse todo o mundo esquecer o dia da piada mortal. E assim o fez.

No dia seguinte, parentes, amigos, a imprensa, os investigadores… ninguém — nenhuma alma viva na Terra — lembrava-se do acontecimento ou das pessoas que participaram do show da piada mortal.

Nos dias que se seguiram, Severino voltou à sua rotina de glória: shows lotados, contratos milionários e um prestígio que jamais imaginara alcançar. Mas, no fundo, algo o incomodava. Embora o mundo tivesse esquecido a tragédia da piada mortal, ele não podia apagar de sua mente as imagens daquelas pessoas gargalhando até a morte. E, por mais que não quisesse, aquilo lhe trazia um prazer indescritível — uma sensação de glória e poder.

Para voltar a sentir aquela aura de notabilidade, Severino decidiu usar o notebook para um novo pedido. Desta vez, ele queria se tornar o maior comediante de todos os tempos, alguém cujo nome jamais seria esquecido. Foi quando teve uma ideia ousada: queria reencarnar um dos grandes mestres da comédia que já haviam partido. Ele não apenas queria sucesso, queria ser imortalizado na história do humor.

Sem pensar duas vezes, conectou o microfone ao notebook e disse:

— Quero ser como um dos maiores comediantes da história do Brasil. Não! Melhor! Quero ser um deles! Quero ser o Chico Anísio! Quero ser igual a ele.

@

Dias depois, um grupo de operários do cemitério de Maranguape realizava a exumação do corpo de Chico Anísio para sua transferência a um novo mausoléu. O que encontraram surpreendeu a todos: dentro do caixão, além dos restos do lendário humorista, havia um segundo corpo em avançado estado de decomposição.

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Terras dos Homens Perdidos, de Gil DePaula, é uma ficção histórica que explora a fundação de Brasília e o impacto da construção da nova capital na vida de brasileiros comuns. A narrativa é ambientada entre 1939 e 1960 e segue o drama de Maria Odete, uma mulher forte e resiliente, que relembra seu passado de desafios e desilusões enquanto enfrenta as dores do parto. Sua trajetória é entrelaçada com a história de dois fazendeiros rivais e orgulhosos, ambos chamados Antônio, que lutam pelo poder em meio a uma teia de vingança, traição e tragédias pessoais.

A obra destaca o cenário do interior brasileiro e a saga dos trabalhadores que ergueram Brasília com suor e sacrifício. Gil DePaula usa seu estilo detalhista para pintar um retrato das complexas interações humanas e sociais da época, onde paixões e rivalidades moldam o destino de seus personagens e refletem as transformações de uma nação. A obra combina realismo com uma narrativa de intensa carga emocional, capturando tanto a grandeza da construção da capital quanto as pequenas tragédias pessoais que marcaram sua fundação​.

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